¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

domingo, abril 27, 2008
 
O PARADOXO DE EASTERLIN




De repente, surgem teorias exóticas na imprensa. A última, a encontrei no Invertia, do portal Terra. É que dinheiro traz felicidade. Aparentemente, foram necessários alguns milênios para que os pensadores chegassem a esta brilhante descoberta. Segundo a notícia, depois da Segunda Guerra Mundial, a economia japonesa passou por uma das maiores expansões que o mundo já viu. Entre 1950 e 1970, a produção econômica per capita cresceu em mais de 700%. O Japão, em apenas algumas décadas, se transformou de nação devastada pela guerra em um dos mais ricos países do planeta. No entanto, estranhamente, os cidadãos japoneses não pareciam estar mais satisfeitos com as suas vidas. Uma pesquisa apontava que a porcentagem de pessoas que respondeu da maneira mais positiva possível quanto ao seu grau de satisfação pessoal caiu, no país, entre o final dos anos 50 e o começo dos 70. Os japoneses enriqueceram, mas aparentemente não se tornaram mais felizes.

Daí surgiu o chamado Paradoxo de Easterlin. Em 1974, Richard Easterlin, economista que então lecionava na Universidade da Pensilvânia, publicou um estudo no qual argumentava que o crescimento econômico não necessariamente propiciava mais satisfação. As pessoas de países pobres, e isso não deve causar surpresa, se tornavam mais felizes quando passavam a ser capazes de arcar com o custo dos produtos cotidianos. Mas ganhos adicionais pareciam simplesmente redefinir os parâmetros. Para expressar a questão em termos cotidianos, ter um iPod não torna uma pessoa mais feliz, porque, quando ela o tem, passa a desejar um iPod Touch. A renda relativa - os ganhos de uma pessoa em comparação com os de pessoas que a cercam - importa bem mais que a renda absoluta, escreveu Easterlin.

Este paradoxo apontava para um instinto quase espiritual dos seres humanos de acreditar que o dinheiro não pode comprar felicidade. Na semana passada, na Brookings Institution, em Washington, dois jovens economistas, Betsey Stevenson e Justin Wolfers, concluíram - ó gênio! - que dinheiro tende a trazer felicidade, mesmo que não a garanta. A renda faria diferença. Após pesquisas conduzidas em todo o mundo, o instituto Gallup descobriu que o índice de satisfação é mais elevado nos países mais ricos. Os residentes desses países parecem compreender que vivem bastante bem, mesmo que não tenham um iPod Touch.

Essa agora! Pesquisar no mundo todo para concluir que ter dinheiro é bom. Em meus dias de jovem, a última coisa que me preocupava em minha vida era dinheiro. Sem conhecer mundo, minhas necessidades eram poucas. Tendo o de comer e o de beber, mais o carinho de uma mulher, a vida estava plena. Nos anos de universidade, vivi em pequenas kitchenetes e entre aquelas estreitas quatro paredes fazia minha vida. Não me queixo. Foi bom.

Mas a vida avança e o mundo se mostra maior do que imaginamos. Se você quer ficar em sua aldeia, tudo bem. O dinheiro não faz muita falta. Começa a fazer falta quando você sai da aldeia e descobre como é bom sair da aldeia. Em minha primeira viagem, no início dos 70, fiz a Europa de sul a norte e de leste a oeste. Sempre me hospedando precariamente, comendo sanduíches, levando queijos, patês e vinho para o hotel. O que é muito bom. Daqueles dias também não me queixo. Mas cedo descobri que melhor ainda era comer melhor em um bom restaurante, beber um vinho de melhor qualidade, hospedar-se melhor. Não falo em cinco estrelas. Três já está bom.

Uma coisa é você comer um merguez numa tendinha de árabes em Paris. Não é ruim, e sempre que vou a Paris dedico um almoço ao merguez. Mas há um surplus em jantar no Procope ou no Julien. Comer tapas em Madri é muito bom. Mas bom mesmo é um cochinillo ou cordero lechal no Sobrino de Botín. E isso exige alguma grana. Não que seja necessário ser milionário para curtir tais venturas. Mas algo se há de ter.

Que o dinheiro em si não traz satisfação, de acordo. Conheço pessoas muito ricas que não ousam sair da aldeia. Talvez por medo do anecúmeno, suponho. Em minha cidadezinha, Dom Pedrito, tive como amigo um fazendeiro de grandes posses. Era pessoa generosa, houve vezes em que, só por sentir-se contente, me enfiava no bolso um pacote de dinheiro. Fazia isso com muita gente. Bastava fazer um bom negócio, saía a distribuir dinheiro na rua. “Que é isso, Davi, não estou precisando de dinheiro”. “Então repassa para tuas mulheres”. Bom, já que era para fazer obra social, eu aceitava.

Nunca saiu da aldeia. Convidei-o certa vez para ir a Paris. Vende uns trinta ou quarenta bois, Davi, e serei teu guia. Ora, ele tinha mais de mil bois. Mas não concebia vender bois para ver o mundo. Dom Pedrito lhe bastava. Não deixa de existir uma certa razão na afirmativa de que dinheiro não traz felicidade. Há milhares, senão milhões de pessoas, que não sabem bem utilizar seus patrimônios. Mas sem um certo mínimo – que não precisa ser muito – não é fácil ser feliz. Pelo menos para quem viu um dia o mundo e seus encantos e neles se viciou. Em meus dias de Estocolmo, contraí uma grave doença nórdica, que consta que não tem cura, a resfeber. Febre de viagens. Fiquei contaminado até a alma, e até hoje não consegui ficar parado por muito tempo.

Nasci na fronteira seca entre Brasil e Uruguai. Coincidia que o Uruguai começava justo no horizonte, onde ficava a Linha Divisória. Nesta linha, de três em três quilômetros há um marco de concreto. De seis em seis, há um marco maior. Em frente a nosso rancho, ficava o Marco Grande dos Moreiras. Meu pai me erguia até o topo do marco, me fazia virar para o nascente e dizia: “Fala para os homens do Uruguai, meu filho”. Depois, me virava para o poente: “Fala agora com os homens do Brasil”. Nasci entre dois países, sempre olhando para um e outro. Daí a querer ir mais adiante foi só um passo.

Quando jovem, sempre considerei dinheiro uma bobagem. Minhas necessidades eram mínimas. Certo dia, em um livro de Bernard Shaw, li uma frase que me chocou. Cito de memória, sem muita precisão: dinheiro é saúde, cultura, educação, requinte. Talvez não fosse exatamente esta a frase, mas seu sentido era este. Naqueles anos, eu era católico e a pobreza me encantava.

Sem ser rico, tenho hoje condições de viver e viajar com conforto. Adoraria ser rico. Faria como o Davi, sairia a distribuir dinheiro às gentes. Minha primeira providência seria oferecer viagens a amigas que nunca viajaram. Adoro apresentar cidades às pessoas que quero bem. Já sonhei em viajar com uma amiga, de olhos vendados, e largá-la direto nos canais de Amsterdã. Para chocar. Em verdade, já fiz isto, só que a moça foi sem olhos vendados. Daqui a duas semanas, vou fazer de novo.

Mas falava da brilhante tese dos jovens economistas. Só o que faltava fazer profundas pesquisas para provar que dinheiro é bom! Segundo Daniel Kahneman, psicólogo da Universidade de Princeton, laureado com o Nobel de Economia em 2002, "há um vasto e crescente volume de indícios de que o paradoxo de Easterlin talvez não exista". Só espero que não tenha recebido o Nobel por ter chegado a esta genial conclusão.