¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, maio 04, 2008
 
SOBRE TURISMO


Nunca tive interesse nenhum em visitar uma favela. Não gosto de pobreza nem de pobres. Bem entendido, não é que não goste daquele ser humano que é pobre. O que não gosto é da condição de pobreza. Adoraria ver exterminados todos os pobres do mundo. Não estou falando de genocídio. É que gostaria de vê-los, não digo ricos, mas pelo menos em boas condições de vida.

Mas, em minhas viagens, observei que os europeus, e particularmente os franceses, têm um especial fascínio pela pobreza. Boa parte dos franceses que conheci, conhecem um lado do Brasil que nunca tive – nem nunca terei – interesse em conhecer, as favelas. Desde há muito se sabe que o tráfico garante a segurança de todo europeu que queira visitar os morros do Rio de Janeiro. Danielle Mitterrand, sem ir mais longe, tinha excelentes relações com os traficantes. De minha parte, sempre preferi outro tipo de favela. As da Costa Amalfitana, por exemplo. Sorrento, Positano, Amalfi, Ravello. É a mesma geografia de uma favela carioca, as casas subindo morro acima. Com uma diferença. Lá na Itália, o morro é dos ricos. Pobre não sobe. Paga-se caríssimo para visitar aquelas cidades, e muito mais caro para lá viver.

Parece que o Rio de Janeiro está descobrindo este charme que atrai turistas endinheirados. Leio na Folha de São Paulo, que uma agência nacional está oferecendo agora uma outra modalidade de pacote turístico, incluindo bate-papo com traficantes armados. Este turismo não deve ser novidade, mas pela primeira vez um jornal o noticia. Diz a Folha:

Ao chegar à Rocinha, o primeiro sinal do tráfico é a presença de olheiros, que fazem a vigilância em cima de lajes -morteiros à mão, para emitir o alerta da presença policial. No início da incursão pelos becos da favela, o guia diz ter encontrado um traficante. "Vamos lá que vou te apresentar."
É Marcos, que se diz "soldado do tráfico" e conta que já passou nove anos e oito meses na prisão. "Diversas vezes estive na cadeia. Ao todo foram três fugas e oito tentativas."
Para ele, a principal preocupação "é a polícia" e os "inimigos", a facção rival Comando Vermelho. Hoje, a ADA (Amigo dos Amigos) tem o controle da venda de drogas na Rocinha, onde Marcos, de arma na cintura, afirma ter aprendido a manejar "diversos calibres". Ao final da conversa, deixa um número de celular com o guia.
Mais acima no morro, um homem sentado tem visão privilegiada de quem sobe. Submetralhadora prateada na mão, rádio walkie-talkie pendurado no pescoço, conta que trabalha em turnos de 12 horas, com folga de 24 horas, ganha R$ 300 por semana, "pagos todas as segundas-feiras", e recebe cesta básica e remédios.


Tráfico não brinca em serviço. Direitos trabalhistas religiosamente respeitados. O pacote turístico custa R$ 90 e dura quatro horas. Em verdade, para não dizer que nunca vi isso, visitei certa vez um terreiro de macumba no Belfort Roxo, no Rio. Não por acaso, fui levado até lá por um diplomata francês. Encantado pela religiosidade dos tópicos, ele queria conhecer a macumba. Ao ver uma negra tomada por um cavalo, acreditou piamente que uma entidade qualquer havia incorporado na mulher. Eu ria comigo mesmo, vendo um herdeiro de uma tradição cartesiana depositando fé em crendices animistas africanas. Quem nos garantia a segurança era, curiosamente, um bispo católico. Vigaristas entre si se entendem.

Em suma, narcotráfico virou atração turística no Brasil. Cada roca com seu fuso, cada povo com seu uso. Enfio minha modesta colher neste caldo e sugiro visita mais incitante, os corredores do Congresso Nacional. Se é para fazer turismo ao mundo do crime, não vejo nada mais instigante do que conversar com deputados e senadores. Brasília seria talvez mais atrativa que o submundo carioca.