¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, junho 21, 2008
 
A BÍBLIA PODE



Leio na Folha de São Paulo que acadêmicos alemães estão pedindo a liberação de Mein Kampf. Em boa hora, senão atrasados. O livro de Hitler está proibido até 2015. Teoricamente, quem quiser estudar a filosofia do Führer, não tem como ler seu pensamento. Digo teoricamente, porque é fácil encontrá-lo na Internet, e em várias línguas. Diga-se de passagem, este livro foi publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre, quando eram consultores editoriais Erico Verissimo e Maurício Rosenblat, judeu.

É difícil entender como uma democracia européia possa proibir a edição de um livro. Que, para início de conversa, é fundamental para entender a história da Alemanha. É como se a Alemanha quisesse proibir o estudo de seu passado.

O livrinho de Hitler começou mal sua carreira editorial. Não conseguiu vender os dez mil exemplares de sua edição inicial. Em 1933, quando Hitler subiu ao poder, virou best-seller. Prefeituras e administrações regionais eram obrigadas a financiar milhares de exemplares, para depois presenteá-los a jovens recém-casados. No que em pouco difere da política das editoras brasileiras. Machado e Guimarães Rosa, por exemplo, por imposição oficial, se tornaram leitura obrigatória de colegiais, vestibulandos e universitários.

Mein Kampf é um best-seller forçado, diz o historiador Bernd Soesemann, da Universidade Livre de Berlim. Ora, no Brasil, vivemos em pleno universo de best-sellers forçados e ninguém reclama.

Já a Bíblia, pode. Ninguém na Alemanha teria restrições à publicação deste livrinho. Que defende massacres que Hitler algum ousou imaginar. Jeová manda matar e arrasar todas as tribos que não lhe prestam devoção. Hitler, a rigor, ordenou matar apenas a tribo que ordenava matar e arrasar todas as demais tribos que cultuassem outros deuses que não Jeová.