¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 04, 2008
 
EM LOUVOR DO RESVERATROL



Há alguns anos, quando viajaria para a França, recomendou-me um médico de Florianópolis: cuidado com o vinho. Seja moderado. E muito cuidado com os queijos e foie gras. Ora, considero que prescrições médicas devem ser levadas a sério. Era no mês de meu aniversário. Amigos me receberam com muito vinho, champanhe, queijos e foie gras. Eu, beliscando como um tico-tico. Bebendo pouco e comendo menos ainda.

Vai daí que, ao tomar o avião de volta, comprei um Nouvel Observateur. A reportagem de capa era sobre o “paradoxe du Périgord”, algo que até hoje perturba a medicina politicamente correta. Por este paradoxo entende-se o estranho fenômeno de o Périgord ser uma região de alto consumo de patês, queijos e vinhos e, no entanto, seus habitantes gozarem de excelente saúde cardíaca e vascular. Um médico declarava, na reportagem, que inclusive um pouco de boudin no leite das crianças era muito saudável. Boudin é a versão francesa da nossa morcilha. Mais suave e um de meus pratos prediletos. Me senti roubado.

Ao voltar a Santa Catarina, busquei meu médico. De Nouvel em punho. Doutor, o senhor ouviu falar disto, o paradoxo do Périgord? Não, não havia ouvido falar. Então leia esta reportagem. Não leio em francês, disse-me. Tudo bem – respondi – eu traduzo. E traduzi.

Ele fez marcha à ré. Bom... meia garrafa de vinho por dia é sempre bom para o coração. Ou duas doses de uísque. Entende-se que o boudin seja saudável às crianças, contém ferro. Mas nós, médicos, não podemos admitir isto. Seria estimular o alcoolismo.

Não acho. Sempre discordei do conceito médico de alcoolismo. Com o tempo, descobri que médicos formados nos Estados Unidos são sempre mais intolerantes em relação ao álcool que os formados na Europa. Coisa de puritanos. Na Espanha, França, Itália ou Portugal, o vinho faz parte de qualquer refeição. Antes do final do século passado, uma médica me proibiu qualquer gota de álcool. Consulente disciplinado, passei dois anos sem beber. Minha vida se tornou um inferno. Meus amigos bebiam e eu só tomava cerveja sem álcool. Em alguns bares, fui apelidado de Kronenbier. Meus amigos entravam em uma outra fase e eu restava sóbrio. Horror. Troquei de médica. De início, já fui claro: Doutora, eu estou trocando de médica porque a anterior me proibiu o álcool. Estou buscando uma que o libere.

Ela topou e eu voltei ao mundo dos vivos. Leio no noticiário on line de hoje, que o vinho tinto pode ser muito mais potente do que se imaginava no prolongamento da vida humana, disseram pesquisadores em um novo estudo que provavelmente dará ímpeto ao campo em rápido crescimento de drogas para longevidade. O estudo se baseia em doses dadas a camundongos de resveratrol, um ingrediente de alguns vinhos tintos. Alguns cientistas já estão tomando resveratrol em forma de cápsula, mas outros acreditam que é cedo demais para tomar a droga, especialmente usando vinho como sua fonte, até que haja melhores dados sobre sua segurança e eficácia.

Sempre invejei os camundongos. Quase todas as experiências médicas dão certo com eles. Sem ser camundongo, me submeti a altas doses de resveratrol nesta viagem. Sempre nacional, é claro. Resveratrol nacional só não tomo no Brasil.

A pesquisa em questão faz parte de uma nova onda de interesse em drogas que possam aumentar a longevidade. Segundo a notícia, cientistas sérios há muito ridicularizavam a idéia de elixires capazes de prolongar a vida, mas agora foi aberta uma porta para drogas que exploram um mecanismo de sobrevivência biológica ancestral, o que transfere os recursos do corpo da fertilidade para a manutenção de tecidos. A manutenção melhorada dos tecidos parece prolongar a vida ao reduzir as doenças degenerativas do envelhecimento.

Cá entre nós: envelhecimento não tem volta. Mas se pudermos afastá-lo um pouco, sempre é melhor. Foi o que fiz nestes dias. Mergulhei em Riojas e Dueros, Cahors, Corvos e Beaujolais. Segundo amigos e amigas, voltei mais jovem. Recomendo resveratrol.