¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 09, 2008
 
EM UM PANO DE FUNDO DE NADA,
QUALQUER COISA SE DESTACA



Um bobalhão, daqueles do tipo Afonso Celso, escreveu em um dos blogs do UOL:

Como é bom ser turista brasileiro

“I’m from Brazil!”. “Hi, I’m from Brazil!”. “My name is Fabio, I come from Brazil!”

Nunca repeti tanto isso nos últimos meses. O sorriso do entrevistado se abre, o guarda na fronteira subitamente fica mais gentil. As nuvens desaparecem, o céu fica azul, o sol brilha, os passarinhos cantam... Figurativamente, claro.


Depende de onde se está. Tenho viajado continuamente por toda a Europa e nunca vi alguém mostrar as canjicas ao saber que sou brasileiro. Na Espanha, suponho que devido às últimas escaramuças diplomáticas, a recepção na aduana é seca, muitas vezes sem mesmo um bom dia. Nos Estados Unidos, a hostilidade começa aqui mesmo, na aquisição do visto. Na África e Oriente Médio, vi alguns guardas mostrando os dentes, mas por alusão a Pelê, Garincha (assim mesmo com um erre só). Os tempos eram outros, é claro. Mas a simpatia era pelo futebol, não pelo país. Mas vamos adiante no texto de nosso patriotão:

Sou um crítico da política externa historicamente tíbia do nosso glorioso Itamaraty, que tem medo até de chamar genocídio de genocídio (veja nossa posição vexaminosa para o Sudão, por exemplo).

Mas tenho de confessar que me beneficio indiretamente dela. Em qualquer canto da África, o Brasil é visto como:

a-) um país amigável e inofensivo;
b-) um país de gente boa, bem-humorada e feliz
c-) um país grande, rico e poderoso (alguns até acham que de Primeiro Mundo, e se assustam quando eu digo que não), mas que mesmo assim se coloca do mesmo lado que seus irmãos mais fracos e menores contra os inimigos comuns: EUA e europeus.


Agora dá pra entender melhor sua afirmação. Ele estava na África. Naqueles países que tiveram como líderes Idi Amin Dada, Mobutu Sese Seko, Robert Mugabe, Lula deve passar por intelectual. Aliás, nesta recente viagem, notei que o nome do Supremo Apedeuta está em alta na Europa. Mas... quando confrontado com Castro, Hugo Chávez ou Evo Morales. Já dizia Pessoa: “em um pano de fundo de nada, qualquer coisa se destaca”.

O patriotão que assina o artigo coloca como virtude opor-se aos inimigos comuns, os EUA e os europeus. É exatamente nisto que reside a miséria tupiniquim: opor-se ao que de melhor produziu a humanidade. Quem me acompanha sabe que não tenho muito apreço pelos Estados Unidos. Mas temos de convir que em duzentos anos eles construíram uma nação que nós não construiremos nem em um milênio. O tal de Fábio, apesar de ter 32 anos, como diz em blog, parece permanecer ainda imerso no terceiromundismo dos anos 70, quando mal havia nascido.

Minha experiência é diferente da do deslumbrado supra. Lembro que, certa vez, vi um brasileiro atrapalhado com o idioma na aduana do Charles de Gaulle. Me ofereci para auxiliá-lo. Ele queria que eu explicasse ao guarda fronteiriço que, apesar de ser brasileiro, tinha passaporte italiano. Traduzi. “Ils sont les pires” – me disse o funcionário. Ou seja: eles são os piores. Isso para não falar nos que eram simplesmente maus.

As maltas de brasileiros reenviados ao país de La Guardia, Heathrow, Barajas demonstram o contrário do que afirma o patriotão. Ser brasileiro pode dar status na África. Mas não na Europa ou Estados Unidos ou Canadá. Volto ao Pessoa: “em um pano de fundo de nada, qualquer coisa se destaca”.

Ao longo desta viagem, eu, sempre que vou me apresentar numa situação mais delicada, solto que sou brasileiro no máximo na terceira frase (geralmente na primeira). Dependendo da circunstância, digo que sou três coisas: jornalista, estudante (tô meio velho para isso, mas ainda cola) ou turista. No Zimbábue, falei também que eu era observador da eleição (!) e diplomata (!!). Mas sempre, em qualquer caso, reforçando que sou brasileiro. (...) Por isso, se há um conselho que eu posso dar a quem for fazer uma viagem como essa (ou por qualquer outra parte do mundo, aliás), é: abuse de sua condição de brasileiro. Ok, você vai ter que pagar um pedágio, falar de futebol, vai ter que responder se conhece o Kaká e aquela chatice toda. Mas vale a pena. O viajante brasileiro é sempre abençoado por Deus e bonito por natureza.

Que tente então abusar de sua condição de brasileiro na Europa! Será outro o trote da mula. Dizem que as viagens ilustram. Mas há quem dê vinte voltas ao mundo e não aprenda nada. Se me perguntam por minha nacionalidade, claro que assumo a de meu passaporte. Nem poderia ser diferente. Mas sem orgulho algum.

Até que me entendo bem com meu país. Mas não vejo motivo algum, por onde quer que olhe, para orgulhar-me de ter nascido nestas plagas. Esse suposto dever de ter de orgulhar-se de um país só por ter nascido nele é muito típico de brasileiro. Não tendo feitos históricos ou culturais dos quais orgulhar-se, muito menos heróis que mereçam este nome, o brasileiro se pendura no carnaval, futebol, beleza das mulatas, Amazônia e Baía da Guanabara. E numa mítica brasilidade, que ninguém sabe bem em que consiste.

Mas com estes penduricalhos não se constrói um país decente.