¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, julho 30, 2008
 
MIDNATSOL



Por onde começar? Melhor pelo princípio, Oslo. Eu não visitava a cidade há oito anos e a encontrei bem mais viva. Fora alguns árabes e africanos no centro da cidade, só gente bonita. Não que árabes e africanos sejam intrinsecamente feios. Mas os que vi por lá eram feios e mal-encarados. Voltando ao hotel de madrugada, fui abordado por um afrodescendentão que consegui esquivar. Mas o bruto não vinha com boas intenções. É meio difícil de acreditar, mas hoje, em uma capital escandinava, caminhar pela noite não é lá muito tranqüilo. Já em Tromsø, ouvi na televisão que um norueguês havia sido apunhalado em pleno centro de Oslo. Ora, ser apunhalado em São Paulo ou Rio faz parte da vida. Ser apunhalado em pleno centro de Oslo gera comoção nacional. Quem anda armado de punhais nas ruas de Oslo? É claro que não são os noruegueses. Tarde da noite, no centro da cidade, me senti ameaçado como jamais me senti em nenhuma capital européia. Voltarei ainda aos punhais.

Pelo menos no Aker Brigge - http://www.panoramio.com/photo/5564401 - zona portuária, vi mais animação que nas ruas de Madri ou Paris. Aker Brigge é um grande espaço, rodeado de marinas, transatlânticos, lanchas e veleiros, onde os noruegueses e turistas celebram a bona-chira. O passeio que dá para o porto é totalmente tomado por restaurantes e a impressão que se tem é que ninguém trabalha naqueles nortes. Os restaurantes continuam cidade adentro, além do passeio, e todo mundo está comendo a toda hora. Apesar dos preços mais salgados do que charque. (Voltarei também ao assunto). Nórdicas belíssimas, de um louro que tende ao branco, muitos jovens e muitos idosos, gente que gosta da vida. Certamente com alto nível financeiro, pois ninguém freqüenta bares impunemente em Oslo. Todo mundo rindo e confraternizando, despreocupação total em relação ao futuro. Mais ou menos minha idéia de paraíso. O que me espantou foi ver Oslo tão ou mais animada que Paris ou Madri. Lá pelas tantas, a Primeira-Namorada leu em um guia que lhe passei, que “se você quiser escapar do estresse de Oslo, pode visitar regiões próximas à cidade”. Nossa! Aquele estresse terrível de gentes para quem o amanhã nem parecia existir, me chocou profundamente.

Cena para fotografar, mas que não fotografei. Fui pego de sangue frio. Duas mulheres, ébrias não sei de álcool ou de vida, dançavam ao caminhar pela Aker Brigge, cantando Guajira Guantanamera. Subitamente, tomada por alguma insólita hybris nórdica, uma delas levantou a saia até a cabeça e continuou sua marcha triunfal, rebolando e batendo firme com os tacos no chão. Guajira Guantanamera, Guajira Guantanamera, Guajira Guantanamera. Yo soy un hombre sincero e devo confessar que até hoje me perturba a memória aquela saia erguida, a calcinha exígua e aquele remelexo infernal.

Em suma, vi uma Oslo insólita, de uma alegria hispânica. Há, é claro, o fator verão. Para países onde o inverno e a escuridão reinam por oito meses, um mês ou dois de luminosidade é sempre festa. É claro que no invernão norueguês mulher alguma levantaria a saia até a cabeça e sairia cantando pelas ruas.

Há um senão, os preços. Pelo menos para nós, escória do Terceiro Mundo. Oslo é quarta cidade mais cara do planetinha. Mas primeiro falarei dos punhais. Nunca imaginei que um cidadão poderia ser apunhalado no centro daquela cidade. Mas, ao que tudo indica, a arma branca está se tornando corriqueira na Europa. In illo tempore – como diziam os evangelistas – li no El País uma inquietante reportagem sobre Londres. Uma onda de homicídios com punhais e navalhas está assolando a cidade. En lo que va del año – como dizem os espanhóis – 21 jovens foram assassinados por punhaladas. Por semestre, creio que nem em São Paulo temos tanta gente morta por punhal. Recentemente, a capital britânica viu quatro jovens morrerem apunhalados em apenas 24 horas. Os jornais nada dizem sobre os assassinos. O que só prova uma coisa: são africanos ou árabes. Quando um árabe ou africano mata ou estupra na Europa, a imprensa nada diz sobre os criminosos. Se o criminoso for um nacional, seu nome é entregue aos leitores. Volto a insistir: se você não conhece a Europa, visite-a antes que acabe. Aliás, aquela Europa que conheci há trinta e mais anos, não existe mais. Lembro que jamais senti alguma inquietação ao flanar pelas madrugadas nas noites de Estocolmo. Hoje, há ruas e bairros de risco.

Detalhe desagradável em Oslo. Dezenas de boates emitindo para a rua um som de bate-estacas. É como se o som fosse o anúncio da boate. Na penúltima viagem, não encontrei este bordel. Meu hotel ficava distante de qualquer dessas caixas de ruído, mas fico me perguntando como se sente quem mora perto.

O paraíso está começando a ficar bichado. Os países do sul do continente estão encetando uma reação – tardia, é verdade – à ameaça dos bárbaros da África e Oriente Médio. Mas os nórdicos, em sua santa ingenuidade, continuam a recebê-los aos magotes. A Suécia, por exemplo, que já foi invadida por árabes e turcos, está sendo agora invadido por hordas de afegãos, iraquianos e somalis.

De Oslo, peguei um trem até Bergen, a porta dos fjordes, antiga capital da Noruega e porto hanseático, http://pt.wikipedia.org/wiki/Bergen. Tem um espaço semelhante ao Aker Brigge, bordado por um casario de madeira muito colorido, mas sem a imponência do Aker Brigge, bem entendido. De Bergen, navegamos pela Hurtigruten, http://www.hurtigruteninpictures.com até Tromsø, além do Círculo Polar Ártico. Não conheço o mundo todo, mas duvido que exista viagem mais fascinante. Os barcos vão entrando pelos fjordes e atracando no portos do litoral. Não é, em princípio, um cruzeiro. Hurtigruten quer dizer Expresso Costeiro. É a fórmula mais prática de viajar pela Noruega, uma tripa de país montanhoso. Mais ainda: viajando pela Hurtigruten, viajar é melhor que a viagem.

O primeiro fjord é o Geiranger, http://en.wikipedia.org/wiki/Geiranger. Fascinante. Cachoeiras caem o tempo todo dos penhascos, de picos sempre cobertos por neves, mesmo no verão. Em determinado momento, sete cachoeiras se reúnem. São as Sete Noivas. Espetáculo de cortar a respiração. Mais adiante, os penhascos se afunilam e o fjord se reduz a uns trezentos metros. Foi precisamente neste momento em que a Força Aérea norueguesa deu sua contribuição ao show. Dois caças sobrevoaram o navio e mergulharam naquele estreito abismo. Não pode ser coincidência, pensei. Não era. Todos os dias, mais ou menos ao meio-dia, os caças voltavam para abrilhantar o espetáculo. Uma espécie de lembrete: a Noruega não tem apenas uma portentosa frota naval, mas também uma Força Aérea.

Mas se você perdeu a respiração nas Sete Noivas, guarde um restinho de fôlego para o que vem pela frente. Um pouco antes de chegar a Tromsø, na altura das ilhas Lofoten, o mais lindo dos fjordes o espera, http://www.hurtigruteninpictures.com/trollfjorden-lofoten-norway.html. O Trollfjorden é pequeno, coisa de dois quilômetros. Mas a beleza é tanta que dá vontade de chorar. Vontade não, chorei mesmo. Já o havia visitado há oito anos, com minha Baixinha adorada. Eu lia no Panorama Lounge do Vesterålen - http://arctic360.360vt.eu/vesteralen - quando ela desceu do convés, desesperada. “Sobe logo, nem imaginas o que está acontecendo lá fora”. Era meia-noite, uma daquelas meia-noites irreais de sol de meio-dia. Frio de lascar. Era uma espécie de cinema em 360 graus, onde era difícil saber para onde olhar. Confesso que nem no Sahara vi algo tão belo. Muito menos na Terra do Fogo. Nos foi servida uma sopa de mariscos, que aqueceu até a alma.

Nessa altura, já ultrapassamos o Círculo Polar Ártico. Já em Bodø – http://en.wikipedia.org/wiki/Bod%C3%B8 –, o sol da meia-noite começa a dar suas caras. Para quem não vive por aquelas bandas, não dá vontade alguma de dormir. Melhor chamar mais um vinho e contemplar madrugada afora aquele meio-dia fora de horas.

Aportamos em Tromsø – http://www.eveandersson.com/norway/tromso - no quinto dia de navegação. Em pleno verão. Lá pelas onze da noite – noite que não é noite - postei-me em um simpático boteco na Storgatan com a Primeira-Namorada. Pedimos um vinho. Bebemos até a meia-noite profunda, isto é, com sol de meio-dia. Gentes girando pela rua como se meio-dia fosse. Ela não acreditava: “mas isto ainda vai escurecer”. Não vai, disse. E vou te provar. Pedi mais um vinho. Lá pelas duas, creio que ela passou a acreditar no que via.

Fotos da Primeira-Namorada durante a viagem, da Noruega, Estocolmo e Paris, estão em http://www.flickr.com/photos/isapgm.