¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, agosto 23, 2008
 
CIENTISTAS VENDEM FÉ



Leio na Istoé que médicos e hospitais começam a adotar a espiritualidade e a esperança como recursos para o combate de doenças. Que médicos e instituições hospitalares do mundo todo começam a incluir nas suas rotinas de maneira sistemática e definitiva a prática de estimular nos pacientes o fortalecimento da esperança, do otimismo, do bom humor e da espiritualidade. O objetivo é simples: despertar ou fortificar nos indivíduos condições emocionais positivas, já abalizadas pela ciência como recursos eficazes no combate a doenças. Esses elementos funcionariam, na verdade, como remédios para a alma – mas com repercussões benéficas para o corpo.

Sei! É o famoso poder do pensamento positivo. Há uns bons cinqüenta anos, foi moda um livrinho de auto-ajuda, O poder do Pensamento Positivo, de Norman Vincent Peal. "Os covardes nunca tentam, os fracassados nunca terminam, os corajosos nunca desistem. O pensamento positivo pode vir naturalmente, mas também pode ser aprendido e cultivado, mude seus pensamentos e você mudará seu mundo". Ou seja, se você foi premiado com um câncer, pense positivamente e terá cura garantida.

Pelo que diz a reportagem, clínicas de renome estão adotando esta postura. “No Brasil, a nova postura faz parte do cotidiano de instituições do porte do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, da Rede Sarah Kubitschek e do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Rio de Janeiro, três referências nacionais na área de reabilitação física. Nos Estados Unidos, o conceito integra a filosofia de trabalho, entre outros centros, do Instituto Nacional do Câncer, um dos mais importantes pólos de pesquisa sobre a enfermidade do planeta, e da renomada Clínica Mayo, conhecida por estudos de grande repercussão e tratamentos de primeira linha”.

Quando minha mulher morria, arautos do pensamento positivo logo se apresentaram. Que era preciso pensar positivamente, que uma postura otimista curava qualquer doença. Muitos tinham um viés católico e organizaram, Brasil afora, um círculo de orações. Tinham certeza de que, dadas as preces ao Todo Poderoso, ela seria salva. Quando ela morreu, adotaram subitamente uma outra postura. Que agora, na outra vida, ela estava sendo feliz. Ora, se só na outra vida seria feliz, que rezassem então para que morresse logo. Houve quem tivesse o desplante de dizer-me: “estamos apostando nossos créditos junto ao Todo Poderoso”. Aqueles abutres, que mal sentem o cheiro da morte vão visitar os moribundos, começaram a chegar ao hospital, padres, freiras e senhoras beneficentes. Pelo jeito, tinham um prazer particular em ver alguém morrer. Expulsei-os com fúria.

Segundo a revista, “a adoção desta postura teve origem primeiro na constatação empírica de que atitudes mais positivas traziam benefício aos pacientes. Isso começou a ser observado principalmente em centros de tratamento de doenças graves como câncer e males que exigem do indivíduo uma força monumental. No dia-a-dia, os médicos percebiam que os doentes apoiados em algum tipo de fé e que mantinham a esperança na recuperação de fato apresentavam melhores prognósticos. A partir daí, pesquisadores ligados principalmente a essas instituições iniciaram estudos sobre o tema. (...) O bom humor, por exemplo, é capaz de promover o aumento da produção de hormônios que fortalecem o sistema de defesa, fundamental quando o corpo precisa lutar contra inimigos. Além disso, o riso provoca relaxamento de vários grupos musculares, melhora as funções cardíacas e respiratórias e aumenta a oxigenação dos tecidos”.

Ou seja: se você tiver a desgraça de ser acometido por um câncer, ria. No bom humor ante a doença está a cura. Largue a quimioterapia, a radioterapia, a medicina de ponta. Ria, simplesmente. Que místicos digam besteiras, isto não me espanta. O que me espanta é que a imprensa as reproduza, como se verdade fossem.

Segundo a revista científica (sic!) BMC Câncer, o otimismo é um fator de proteção contra o câncer de mama. “Verificamos que mulheres expostas a eventos negativos têm mais risco de contrair a doença do que aquelas que apresentam maiores sentimentos de felicidade e positivismo”, explicou Ronit Peled, da Universidade de Neguev, de Israel, autor da pesquisa.

Ora, quando otimismo prevenir câncer, os oncólogos morrerão de fome. Estes cientistas, no fundo, são religiosos travestidos, que querem vender fé a quem precisa de medicina.