¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 21, 2008
 
DE PARIS, DO LEONARDO



Olá, prezado Janer,

Aqui é o Leonardo, de Paris... Espero que se lembre de mim... Nós jantamos juntos em Saint-Germain, em maio...

Bem, escrevo-lhe para dizer que continuo acompanhando seu blog com assiduidade. Você continua afiado, bem humorado e nos brindando com sua vasta cultura. Parabéns! É sempre enriquecedor lê-lo. Gosto muito dos seus textos, principalmente aqueles sobre religião.

Dois assuntos que recentemente foram tratados por você lá no seu blog me chamaram a atenção. O primeiro é a questão da nova postura britânica com relação aos brasileiros (texto de 15/08/2008).

Os súditos da rainha estão certíssimos em aumentar o rigor no controle da entrada de brasileiros em seu território, embora estejam fazendo isso atrapalhadamente, como você bem assinalou. Infelizmente, muitos brasileiros vão para lá para desrespeitarem a lei local, à semelhança do que ocorre em outros países europeus. Não me incomodaria se ingleses, espanhóis e outros passassem a exigir o visto. É chato, claro, mas o cidadão de bem (turista, ou quem viaja a trabalho ou a negócios) fica relativamente resguardado de passar o terrível constrangimento de ser confundido com imigrante e ser mandado de volta para o Brasil, como aconteceu com alguns brasileiros na Espanha, no primeiro semestre. Se não dá para entrar só mostrando o passaporte sem o visto, que, ao menos, barrem apenas os imigrantes.

No final de julho, fui a um congresso em Chicago. Como nunca havia ido aos EUA, tive que tirar um visto. Fui muitíssimo bem tratado na Embaixada deles. E, ao desembarcar em Chicago, foi só mostrar o visto, responder a algumas perguntas que me foram educadamente feitas e pronto. Foi chato fazer o visto? Sim, mas foi muito melhor do que pousar nos EUA e ser despachado no vôo seguinte. A obrigatoriedade do visto nos traria certo aborrecimento, mas nos poupa de sermos confundidos com quem vai para se prostituir e viver na ilegalidade.

Quanto à maneira que os diferentes povos enxergam o esporte, concordo com grande parte do que foi escrito (18/08/2008), principalmente no que tange a chineses e a norte-americanos. Mas não concordo que suecos, finlandeses e outros europeus estejam nas Olimpíadas apenas por diletantismo. O atleta olímpico, venha de onde vier, tem um espírito de competitividade borbulhando nas veias. Essa gente não gosta de perder, quer é ganhar uma medalha de qualquer jeito. Não dá para imaginar que um suíço como o Federer não tenha ficado amuadíssimo por ter naufragado no torneio individual de tênis e ter visto seu rival Nadal passá-lo no ranking. Federer não foi a Pequim para passear, por passatempo. Essa não “cola”. Ele foi lá para ganhar.

A TV francesa (por sinal, muito mais ufanista que a brasileira na transmissão dos jogos) tem mostrado que, em matéria de chororô, os atletas gauleses não devem em nada aos brasileiros. Alain Bernard chorou diante das câmeras quando venceu os 100m nado livre. Laure Manadou “abriu a boca” depois de sua participação patética nos Jogos. A equipe de handebol feminino também pranteou a cântaros, em cadeia nacional. Teve uma judoca que chorou convulsivamente quando foi eliminada. Na esgrima e na ginástica, também teve francês chorando no pódio. E por aí vai.

Concordo inteiramente que Santos Dumont foi um subproduto da sociedade parisiense do começo do século XX. Mas não se pode, semelhantemente, dizer que esse menino aí, o Cielo, foi produzido nos EUA. Ele fez toda sua formação de natação no Brasil, aprendeu os fundamentos do esporte no país. Depois, é verdade, foi para os EUA (ao que me consta, há poucos anos). Em entrevista, ele disse que seu treinamento nos EUA é igual ao do Brasil, que as estruturas são as mesmas. O que diferencia são as competições, que são de nível bem mais elevado. Como em todo esporte, é na disputa com gente de alto nível técnico que se aprimora o talento. Sul-americanos se saem bem no futebol e brasileiros brilham no vôlei porque disputam os campeonatos europeus, onde estão reunidos os melhores atletas de todo o planeta. É esse o diferencial. Não é por disputar o campeonato espanhol que o Robinho (brasileiro), o Messi (argentino), o Henri (francês) e o Beckham (inglês, ex- Real Madrid) devam ser todos considerados hispânicos.

Bem, caro Janer, me desculpe pelo tamanho do email, mas é sempre muito bom conversar com você... Aliás, gostaria de lhe fazer uma pergunta: por que não há espaço para comentários no seu blog? Seria muito legal, ao menos para os leitores assíduos, como eu...

Um grande abraço! Espero revê-lo na sua próxima visita a Paris. Do seu leitor e admirador,

Leonardo