¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, setembro 17, 2008
 
HIPROCRISIA AO NORTE


Em janeiro de 1971, o deputado sueco Sten Sjöholm, do Partido do Povo, apresentou uma moção ao Parlamento sugerindo a estatização dos bordéis. Suas razões: o Estado vende bebidas alcoólicas e cigarros e não se escusa por receber dinheiro de ambos os lados. Tabaco e álcool são certamente mais prejudiciais para um homem que uma visita ao bordel. Os poseringsateljér (salas onde as mulheres se exibiam nuas) originavam mal-estar e problemas sanitários. Ao mesmo tempo, a necessidade de suas existências era inegável. O representante do Partido do Povo exigia um monopólio estatal dos bordéis para sanar o pântano da pornografia. Toda organização privada no ramo seria proibida. As profissionais seriam examinadas regularmente. A exploração desordenada das mulheres seria substituída pela responsabilidade da sociedade e cuidados mais humanos.

Na época, teve grande repercussão um panfleto de Lars Ullerstam, intitulado De Erotiska Minoriteterna (As Minorias Eróticas), que reivindicava:

“Criar bordéis! A criminalização destas instituições é uma das maiores besteiras de nossa época. Autorizando os bordéis, se remediaria a miséria sexual da sociedade e se diminuiria o número de gravidezes fora do casamento. Mas principalmente não se precisaria mais temer a perigosa criminalidade que a prostituição de rua traz consigo. Os gigolôs perderiam seu mercado e ninguém mais teria de pagar preços exorbitantes pelos prazeres sexuais.

“Os bordéis preenchem uma importante função de higiene social. Estas instituições seriam evidentemente dirigidas por médicos e assistentes sociais e a direção geral da Saúde Pública controlaria suas atividades. Assim organizada, a indústria de bordéis ofereceria garantias razoáveis de trabalho e colocação. Muitos jovens de ambos os sexos acorreriam a este ofício humanitário. Uma organização racional poderia fazer com que os preços da consumação sexual baixassem consideravelmente. Para adolescentes na puberdade e pobres poderiam existir preços reduzidos. Para os celibatários, os bordéis significariam um grande ganho de tempo, ao menos em casos mais urgentes, e assim lhes sobraria tempo para estudos. As mulheres sexualmente extenuadas poderiam repousar enviando seus maridos a estas casas de prazer sem ter de temer complicações. Sendo as festinhas e bailes formas de sociabilidade de nossa civilização, uma visita ao bordel após estas preliminares seria uma medida natural de higiene.

“A função mais importante dos bordéis seria no entanto aliviar a miséria sexual dos indivíduos que, por diferentes razões, não podem por si mesmos encontrar objetos de satisfação sexual”.

Assim falava Lars Ullerstam, nos anos 60. Na época, a prostituta era vista como uma espécie de assistente social. Lembro inclusive de ter lido entrevista de um policial, que não via nada de inconveniente na hipótese de sua filha optar pelo ofício. Que mais não fosse, ganharia mais do que ele. As profissionais eram em prosa e verso louvadas e tidas como heroínas.

Os tempos mudam, e como mudam. Uma lei de 1999 determinou que é perfeitamente legal vender sexo. Mas é ilegal comprar sexo. Os homens que pagam por sexo com uma prostituta - e também cafetões e donos de bordéis - estão sujeitos a multas ou a penas de até seis meses de prisão, além da humilhação decorrente da exposição pública.

Em meio a isso, o fisco sueco identificou o crescimento de um novo universo de contribuintes: o das prostitutas que querem pagar impostos no país onde a carga tributária está entre as mais altas do mundo. Segundo o jornal sueco Göteborgs-Posten, a tendência vem sendo registrada nos últimos três anos pelo Skatteverket, a entidade fiscal sueca. A razão apontada para a nova leva de declarações de renda é que mais prostitutas estariam decidindo regularizar sua situação fiscal a fim de poder se beneficiar do generoso sistema de previdência social sueco. Os rendimentos declarados seriam taxados como atividades comerciais e dariam direito a auxílio-maternidade, compensações por motivo de doença e aposentadoria.

A nova tendência está gerando polêmicas. Para a deputada Désirée Pethrus Engström, líder da Associação de Mulheres do partido Democrata Cristão sueco, legitimar a prostituição através do recolhimento de impostos significa enviar uma mensagem errônea. "A segurança econômica é um fator que torna uma situação permanente. Isto pode estimular a prostituição, o que é um erro", disse a deputada.

Para Pethrus Engström, é inaceitável que uma pessoa "compre" o corpo de outra, e isto está explícito na legislação de 1999: "Ser uma prostituta é indiretamente ilegal, já que é ilegal comprar sexo. Mas esta é uma questão complexa, para a qual não há uma solução simples".

Como é que ficamos? Vender o corpo não é ilegal. Comprá-lo, é. Os suecos não ousam proibir o comércio sexual. Mas punem seus clientes. Se um dia foram coerentes, acabaram optando pela hipocrisia.