¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, setembro 28, 2008
 
MELHOR CAMPANHA NENHUMA



Do Canadá, escreve Daniel Garros:

Uma coisa que me deixa triste ao ir ao Brasil é o que vejo em todo o lugar, seja em filas de SUS, consultórios médicos, rodoviárias, aeroportos, dentro dos ônibus, enfim... pessoas OLHANDO para os lados, sem distração, a pensar em nada e ver o mundo passar... Ninguém lendo!!! E se lêem, é jornal do dia (maioria na página esportiva). Seria o preço dos livros? Seria uma questão de estímulo? Falta de hábito estabelecido em casa (claro!), e na escola? Lembro que na minha época de 1º grau, recebi muito estímulo à leitura, e muitas análises de livros fizemos...

Aqui no Canadá, o que se vê, é ninguém nesse ócio! Todo mundo tá com livro na mão, sempre, em todo o lugar... até minhas enfermeiras na UTI têm que ser alertadas para deixarem em certas horas os livros de lado e olharem mais pros pacientes. Seja rico, seja pobre, seja burro ou inteligente... todo mundo tá lendo! A diferença entre as pessoas é somente o tipo e a classe de leitura (populares, eruditos, classicos, top of the chart)... Os livros do Harry Potter, por exemplo (críticas a parte), são devorados por crianças, adolescentes e até adultos. Eles reacenderam a paixão pela leitura para aqueles que ainda não a possuíam (poucos)...


Pois, Daniel, também tive a ventura de viver em países assim. Tanto na França como na Suécia, os vagões de metrô parecem salas de leitura. Em outros países por onde andei, observei o mesmo hábito. Vi inclusive jovens lendo partituras e vibrando com a música. Certa vez, voltando de uma dessas viagens, fui visitar uma amiga em São Paulo. Ela morava a uma hora de ônibus do centro. Muni-me de dois ou três jornais para suportar a viagem. Santa ingenuidade. Entrei num ônibus lotado, usei uma mão para pendurar-me num gancho enquanto a outra segurava meus inúteis jornais. Ocasionalmente, faço viagens noturnas de ônibus para o Sul. Uma excelente oportunidade de leitura, dirás. Nada disso. A iluminação não é suficiente para ler. Osman Lins, um dos raros bons escritores nacionais, chegou a fazer uma campanha para melhorar a iluminação nos ônibus. Para poder ler e não ficar olhando o vazio. Foi tido como louco.

Por um lado, as condições são hostis à leitura. Por outro, o brasileiro não é muito chegado a ler. O Brasil está contaminado pela comunicação visual. Há pessoas que adoecem se ficam um dia sem televisão. As NETs da vida sabem disto e os técnicos vêm voando quando há uma pane qualquer no sistema. Quanto a ler, disto não sentem falta alguma. Conheci professores de literatura que não tinham sequer um livro em casa. Entre meus colegas de jornalismo, notei a mesma miséria. Por necessidade profissional, o jornalista lê. Mas geralmente lê jornais e revistas. Raros são os jornalistas que têm uma biblioteca.

Pessoalmente, não consigo sair de casa sem um livro ou jornal na mão. Mas só ver
pessoas lendo de nada resolve. É preciso ver o que se lê. Em julho passado, quando naveguei pela costa norueguesa, fiquei contente ao constatar que muitos passageiros liam. Fui olhar o que liam. De Harry Potter a Paulo Coelho, passando pelo Código da Vinci. Vi pelo menos cinco lendo o Coelho. Em norueguês. Não tenho nada contra crianças ou adolescentes lerem Harry Potter. O problema é que vi marmanjos lendo Harry Potter.

Na época da ditadura no Brasil, me recordo de campanhas de leitura que tínhamos na escola. Selinhos que ganhávamos por livro lido, posters, outdoors, etc... Onde ficou isso? Será que nossos governos democráticos não querem que leiamos? Quem sabe uma campanha nacional pela leitura?

Ora, em um país cujo presidente se gaba de sua incultura, estimular a leitura soa quase como desacato à “otoridade”. Se com cultura não se chega ao poder, então cultura não serve para nada. Mas campanhas de leitura existem. Os editores adoram. Os escritores também. Servem para desencalhar seus entulhos. Com o pretexto de fornecer leitura, as editoras enviam milhares de livros a bibliotecas e escolas. Livros de amigos do rei, bem entendido. A finalidade das campanhas de estímulo à leitura no Brasil não é exatamente estimular a leitura, mas vender o tal de autor nacional. Isto é, o lixo literário nacional. Imortais que ninguém conhece, escritores medíocres e vendidos ao poder, pavões que se pretendem poetas. Nenhuma campanha dessas vai propor a leitura de Cervantes, Swift ou Nietzsche. Propõe-se a leitura das sumidades tupiniquins: Machado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Ignácio de Loyola, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Moacyr Scliar, Carlos Nejar. Et caterva.

Para que tenhas uma idéia, meu caro Daniel, do que se passa em teu distante país: Lygia Fagundes Telles, há alguns anos, participou de uma comissão que escolheria 300 títulos a serem comprados pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação. A imortal, ocupante da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, teve o desplante de sugerir um livro seu, Ciranda de Pedra, para a lista dos trezentos. Do dia para a noite, sua cotação subiu nesta suspeita bolsa de valores. Segundo a revista Veja, seu passe foi comprado pela editora Rocco, para a publicação de doze livros, por 500 mil reais. Ora, se isto não é corrupção, não sei o que significa corrupção.

Ou seja, melhor que não se faça campanha alguma em prol da leitura. Só serviria para enfiar péssima literatura goela abaixo dos alunos. E para afastar os jovens da leitura.