¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, setembro 17, 2008
 
SUÍÇA PROÍBE LEITE MATERNO EM RESTAURANTES


Uma inusitada discussão está sendo travada na Suíça. O cozinheiro de um restaurante de Winterthour teve que voltar atrás em sua intenção de usar leite materno em alguns de seus pratos, após ter pedido que mães vendessem o material. É o que leio no noticiário on line. Hans Locher, dono do restaurante Storchen, convencido das virtudes e do sabor agradável do leite materno, que redescobriu recentemente após o nascimento de uma filha, se pergunta: "Todos nos alimentamos do leite materno quando éramos bebês. Então, por que não tomá-lo também como adultos?" Para o cozinheiro, o leite materno é mais suave e tem mais gordura que o leite de vaca, por isso é excelente para elaborar sopas ou ensopados.

Passou então a oferecer 6,50 francos suíços (4 euros) por 400 mililitros do líquido, garantindo o anonimato da identidade das mães. As autoridades do cantão de Zurique não gostaram e ameaçaram denunciá-lo se colocasse a idéia em prática. "A legislação não considera os humanos como produtores de leite. Não estão na lista das espécies autorizadas, como as vacas e as ovelhas, embora também não estejam entre as espécies proibidas, como os macacos", disse Rolf Etter, do laboratório de controle alimentício de Zurique. Apesar do vazio legal, os responsáveis de saúde concluíram que a utilização de leite materno em um restaurante seria crime. Locher desistiu de incluir leite materno em seus pratos.

A questão é mais antiga do que parece. Três são os elementos que caracterizam a aliança dos filhos de Israel com Javé: a circuncisão, a observação do shabbat e as prescrições alimentares. O judeu piedoso só pode comer a carne de animais puros, ou seja, os que são ungulados, têm cascos fendidos e ruminam. E assim mesmo olhe lá!

No primeiro livro do Livro, Jacó – que passará a chamar-se Israel – luta com um enviado de Javé ou, segundo certas traduções, com o próprio Javé. Quando este enviado – ou talvez Javé – viu que não vencia, tocou a juntura da coxa de Jacó e a deslocou. “Por isso – diz o Gênesis - os filhos de Israel não comem até o dia de hoje o nervo do quadril, que está sobre a juntura da coxa, porquanto o homem tocou a juntura da coxa de Jacó no nervo do quadril”.

Ou seja: picanha, ni pensar. Volto à discussão sobre o leite. No excelente La Loi de Moïse, de Jean Soler, leio que esta grave questão já preocupava os judeus. Baseados numa prescrição do Deuteronômio, que se repete no Êxodo, os judeus não misturam o leite com a carne. “Não cozerás um cabrito no leite de sua mãe”. A interdição diz respeito ao cabrito, mas o judaísmo rabínico a estendeu a tudo que se refere a carne e leite.

Resta o problema: leite humano pode? Curiosamente, a questão implica uma outra: a antropofagia é permissível? Ou seja, carne humana é impura? Porque se for impura, o leite, produto da carne humana, também é impuro, já que o homem não está entre as espécies puras. O leite materno deveria ser então proibido. Mas outros rabinos, entre eles Nahmanide, afirmaram que a Torá não proibia, nem mesmo implicitamente, a carne humana. O leite estava salvo.

Com uma restrição. Segundo The Concise Book of Mitzvoth, de autoria de um rabino americano, aparecido em 1931 e republicado em 1990 em Nova York e Jerusalém, destes debates teológicos da Idade Média resultou um mandamento que se exprime assim: “O leite humano é permitido, mas um adulto não tem o direito de mamar”. (But a grown person is forbidden to suck at the breast).

Ora, assim sendo não tem graça.