¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, outubro 29, 2008
 
ESPÍRITO DE JERICO BAIXA
NO MINISTÉRIO PÚBLICO



Não passa mês neste país sem que alguma autoridade incorpore o espírito de jerico. Desta vez, foi o Ministério Público Federal (MPF), que protocolou ontem uma ação civil pública em São José dos Campos contra as três principais cervejarias brasileiras, com pedido de indenização pelo aumento nos danos causados pelo consumo de cerveja e chope. Com base em mais de dez estudos científicos sobre o álcool, o procurador da República Fernando Lacerda Dias exige que AmBev, Schincariol e Femsa paguem R$ 2,764 bilhões e ainda invistam o mesmo valor gasto com publicidade em programas de prevenção e tratamento de dependentes.

Primeira pergunta que salta aos olhos: por que a cerveja e o chope? De todos os álcoois que o mercado oferece, por sua gradação a cerveja é o mais inofensivo. É óbvio que um vinho a 12º, 13º ou mais graus será mais prejudicial que uma cervejinha a 5º ou 6º. Isso sem falar nos destilados a 40 e mais graus. Se pensarmos em acidentes de trânsito, também é óbvio que uísque ou cachaça embriagam mais e mais rápido que inocentes chopes. Além do mais, não existe recente legislação proibindo dirigir após beber um copo de cerveja?

Segunda pergunta: se é para indenizar danos causados à saúde, por que não taxar os açougues e churrascarias? Picanha gorda também mata. E uma última pergunta: alguém porventura é coagido a beber? É quando surge o argumento do poder da propaganda. Segundo o procurador, “a propaganda de cerveja e chope não serve simplesmente para fixar uma marca. Há uma pesquisa bancada pela Organização Mundial da Saúde que mostra que a publicidade induz um aumento de 11% no consumo global de bebidas alcoólicas, até mesmo acarretando a iniciação precoce ao consumo”.

Melhor ir à raiz do problema. Proiba-se então a publicidade do álcool. Não imagine o procurador que uma empresa fará publicidade se não for para vender mais. De minha parte, desconfio desse suposto poder avassalador da propaganda. A cerveja já era consumida nos tempos dos Faraós, e não temos registro de que os antigos egípcios conhecessem técnicas de marketing. O álcool acompanhou a humanidade durante séculos, quando sequer se cogitava de publicidade. Regou as saturnálias romanas e as orgias gregas, saciou a sede dos exércitos e alegrou homens e mulheres de todas as classes sociais. Os exércitos romanos sempre levavam consigo grandes estoques de vinho. Não por influência da publicidade. É que temiam beber água dos poços dos territórios ocupados, que podia estar envenenada. O álcool sempre foi bom companheiro. Alá não gosta de álcool? Bom, mas no deserto não dá mesmo para plantar uva ou cereais.

É preciso alguma publicidade para que alguém consuma drogas? Nunca vi propaganda alguma de maconha, crack ou cocaína. Apesar de proibidas, estas drogas estão à mão de quem quiser consumí-las. Por mais que autoridades ou polícia tentem coibi-las, seu consumo sempre aumenta. Comecei a beber relativamente jovem, e não lembro de publicidade alguma que me induzisse a beber. Bebia porque meus amigos de bar bebiam, e não se vai a bar para beber água.

O mesmo já se tentou em relação à indústria tabagista. Pessoas que fumaram uma vida toda, destruídas pelo câncer, enfisema e doenças coronarianas, pretenderam processar as empresas do tabaco pelos danos causados pelo cigarro. Ou seja: eu fumo, eu bebo, destruo meu organismo alegremente e passo a conta para o fornecedor de meus prazeres.

Pelo jeito, o procurador viu as contas de publicidade das companhias cervejeiras e cresceu-lhe o olho grande.