¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, outubro 25, 2008
 
FEEL CHIC, QUE A
CRISE NÃO EXISTE



Há uma crise financeira no planetinha, não é verdade? O mercado imobiliário afunda, bolsas idem, bancos também. O Ocidente – e não só o Ocidente – tem medo. Medo de 29, medo do desemprego, medo da recessão. Medo, pelo jeito, só não existe neste país abençoado por Deus, bonito por natureza, que beleza!

Há duas semanas, aqui em São Paulo, foram leiloados por cinco mil reais oitenta lugares do assim chamado “Jantar do Século” - e isso que o século recém iniciou – evento que reunirá a também assim chamada vanguarda da gastronomia espanhola, capitaneada pelo também assim chamado chef dos chefs, Ferran Adrià. O menu do jantar, que será realizado na próxima segunda-feira, terá 19 pratos: dez servidos à mesa e nove em estações onde os 15 chefs convidados demonstrarão diante dos comensais toda técnica que utilizam. Adrià elaborará um moshi de gorgonzola e um pão-de-ló de gergelim negro. Juan Mari Arzak, por sua vez, um atum em fogueira de escamas e cebola. Já o chef basco Martín Berasategui, irá preparar um mil-folhas caramelizado de enguia defumada, foie gras e maçã verde. Os vinhos, incluídos no valor do jantar, serão harmonizados por Danio Braga, do Locanda Della Mimosa, de Petrópolis, no Rio de Janeiro. É o que dizem os jornais.

Ora, por cinco mil reais você vai e volta a Paris, come muito bem em pelo menos dez restaurantes dos melhores e ainda sobra troco. É preciso ser muito brasileiro para cair neste conto. Os tais de chefs descobriram esta tendência que reside no DNA tupiniquim e estão investindo firme na brasílica estupidez.

Não só os chefs. As grifes de moda também. Leio na Folha de São Paulo que hoje você pode desfilar com bolsa Chanel, rodar de Ferrari, ostentar jóias e impressionar convidados exibindo obras de arte em casa, sem que nada disto seja seu. Basta alugar para pertencer ao clube dos endinheirados. Pelo menos aparentemente. Mas isto é o que importa. Segundo o jornal, a última novidade é a Feel Chic, que aluga acessórios de marcas como Salvatore Ferragamo e Louis Vuitton. É uma cópia das americanas Bag Borrow or Steal e Borrowed Bling. O aluguel semanal de uma bolsa de R$ 8.000 chega a R$ 540.

Mas quem paga para dar rolê com bolsa de grife? – pergunta-se o jornal. Gente como a executiva Karina Zambotti, que lá de Nova York explica: "Aluguei uma Chanel dourada por R$ 400 para vir a uma reunião da empresa. Tenho uma Louis Vuitton, mas é menor. Venho para cá várias vezes por ano, já conhecia o conceito. Achei legal isso chegar ao Brasil: para mim, vale a pena alugar, porque compro uma, logo quero outra."

Na locadora Star Cars, você pode alugar uma Ferrari, por módicos dois mil reais por três horas. Você pode também alugar desde tapetes persas, até móveis e obras de arte, para exibi-los como se fossem seus. Segundo o decorador Nando Marmo, o aluguel de uma tela fica em 5% do seu valor. Por seu trabalho, cobra algo entre R$ 1.500 e R$ 25 mil. Exemplo de cliente? O executivo que fez marketing de relacionamento para fechar um contrato. "Coloquei santos barrocos, lustres Baccarat e uma tela do Di Cavalcanti na sala dele." Não se sabe se o contrato vingou, mas "ficou um luxo". O cliente, às vezes, quer impressionar por razão romântica: o decorador já montou cena com escultura de Victor Brecheret e tudo, para turbinar o pedido de casamento durante um jantar íntimo.

Conta a pediatra Paula Ranzini, sócia de uma loja de aluguel de bolsas, a Feel Chic: “Uma das nossas amigas e agora sócia descobriu um site em Nova York que aluga bolsas de marcas de luxo. Ela alugou uma Louis Vuitton, passou uma semana com a bolsa. A sensação foi maravilhosa, voltou contando como ela chamou a atenção nos lugares e foi bem tratada. Então sugeriu que montássemos um negócio parecido aqui. Achamos genial”.

Nada de comprar uma réplica na 25 de Março. “Quando você usa bolsa falsa, sabe que não é de verdade e os outros podem perceber. Pega mal. Além disso, o mercado de falsificação envolve muita coisa errada”.

Cobra-se de 8% a 10% do valor da bolsa, por semana. Segundo a pediatra, com a alta do dólar, as bolsas vão ficar mais caras ainda. As pessoas preferem então alugar. Estadistas e economistas quebram a cabeça sobre como enfrentar a crise. Ora, é simples. Finja que a crise não existe. E continue vivendo em um patamar no qual não pode viver.

Você não tem? Alugue e será como se tivesse. A realidade pouco ou nada tem de real. O que importa são as aparências. Feel chic, e a crise será conjurada.