¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, outubro 21, 2008
 
QUANDO INTERPRETAR É PERIGOSO


Comentei outro dia que os países islâmicos pretendem que a conferência da ONU sobre racismo e discriminação que ocorrerá na Suíça em 2009, seja transformada em uma declaração forte contra a blasfêmia, alegando que muçulmanos em todo o mundo ocidental estão sendo atacados por sua religião. Logo neste Ocidente onde, após o fim da Inquisição, sempre houve liberdade de crítica a qualquer religião. Ninguém mais vai para a forca ou fogueira por blasfêmia. Entre nós, blasfêmia é direito adquirido.

O mesmo não ocorre no Afeganistão, onde um jornalista de 23 anos, Sayed Perwiz Kambajsh, acusado de blasfêmia contra o islamismo por um tribunal de Cabul, foi condenado à morte. Kambajsh, que é muçulmano, foi detido em outubro do ano passado por ter distribuído aos colegas de classe um panfleto "ofensivo ao Islã e com interpretações erradas de versículos do Alcorão", segundo a acusação. Como nos dias da Inquisição, quando o menor desvio teológico poderia levar um cristão à fogueira.

Os jornais não informam o que Kambajsh escreveu. Dizem apenas que imprimiu artigos com interpretações do Islã, relativos em particular à condição da mulher, este nó górdio que divide irremediavelmente o universo muçulmano e o Ocidente. Desde há muito defendo a tese de que o Islã sofre de ginecofobia. Da mesma ginecofobia da Igreja de Roma, que um dia viu em toda mulher uma bruxa em potencial. O procedimento para se saber se uma mulher era bruxa ou não era simples. A mulher era submetida às ordálias, também chamadas de “juízo de Deus”. Atada de mãos e pés, a mulher era jogada num rio. Se conseguia boiar, era óbvio que era bruxa: a água, elemento puro, recusava seu corpo, elemento impuro. E ia para a fogueira. Se morria afogada, maravilha. Não era bruxa. A água, elemento puro, aceitava seu corpo também puro.

A Hégira, como se chama a era muçulmana, tem como início a fuga de Maomé de Meca para Medina, em 622 da era cristã. Pelo calendário ocidental, os árabes recém estão chegando a 1386. Nesta época, até a higiene em si era considerada suspeita pelos inquisidores e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. Frase comum nos registros da Inquisição: "o acusado é conhecido por tomar banho". Pessoas limpas não tinham porque se lavar.

Mutatis mutandis, os muçulmanos recém estão chegando à Idade Média. Mais seis séculos e talvez um dia cheguem ao mundo contemporâneo. Já há sinais de tolerância. O tribunal de Cabul mostrou-se leniente e comutou a pena de Kambajsh. Em vez de ser executado, cumprirá apenas... vinte anos de prisão. Interpretar é perigoso.