¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, novembro 03, 2008
 
COMENTÁRIO DO EMERSON


Caro Janer,

É pouco a instalação das delegacias especializadas. O governo pensa timidamente, pois deveria fazer como o canal musical aberto TV Mundial e assumir de uma vez que todos têm implicitamente alguma cota de racismo oculto. É o que se depreende da campanha contra o racismo feita no canal, onde em nenhuma das respostas que foram ao ar sobre “Onde você guarda o seu racismo?” aparece e nem aparecerá “Em nenhum lugar”. Há ainda outras opções muito promissoras, como estimular a delação premiada ou então a criação de Comitês Anti-Racismo à exemplo dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) de Cuba que monitoram a vida da população. A primeira opção teria como vantagens transformar todos em possíveis fiscais, o que garantiria uma penetração maior na vida da população, além de ter um custo menor devido a não contratação de mão-de-obra fixa. A delação poderia ser paga através da devolução de algum imposto, à exemplo do que ocorre em São Paulo onde quem quiser virar fiscal do governo basta pedir o CPF na nota fiscal, recebendo pelo serviço alguns centavos de crédito. A mesma tecnologia propiciaria um desconto em algum imposto para cada denúncia comprovada.

Mais tarde, o governo poderia propor uma outra campanha para prevenir que se seja delatado, onde aqueles que se sentissem culpados e se acusassem poderiam receber pleno perdão ou ainda penas afiançáveis, como na campanha pelo desarmamento, onde o governo pagava pelo menos R$100,00 a cada arma entregue.

Esses delitos lingüísticos lembram evidentemente Orwell e muitos outras situações históricos conhecidas, mas pode-se citar aqui casos menos conhecidos e que foram descritos no recém reeditado “Confissões da Bahia”, onde se transcreve as atas de alguns casos de auto-delação obtidas “no tempo da graça” pelo visitador da Santa Inquisição em 1534. Dois casos emblemáticos (quinto e décimo - sétimo casos) mostram ao que se é levado a fazer quando o clima de delação impera, mesmo que seja em torno de coisas absolutamente insignificantes. Na primeira confissão, um tal de Pedro Teixeira fôra preso a mando do bispo local por três ou quatro dias e teve que pagar quatro cruzados a Confraria do Santississimo Sacramento. Tudo isso porque “algumas testemunhas disseram que ele confessante tinha dito, havia dois ou três anos, que uma bula que estava em uma Igreja com os selos pendentes parecia carta de éditos com chocalhos pendurados”.

Na segunda, um tal de Roque Garcia após ouvir sobre o descrédito do capitão sobre o relato de alguns negros que alguns gentios haviam matado quatro ou cinco homens em um barco no rio São Franciso, disse que “cria ele no que diziam aqueles negros como nos Evangelhos de São João”, sendo repreendido na ocasião por um outro soldado.

Mais tarde, se a moda delatória vingar entre nós, talvez se poderia promover também alguns autos-de–fé para que os culpados se penitenciem publicamente. Como as escolas de samba volta e meia gostam de apresentar alas ou enredos para polemizar e obter audiência (da última vez a Viradouro tentou mostrar um carro do holocausto com várias esculturas de cadáveres esqueléticos), certamente algumas delas não se oporiam em aproveitar a ocasião do carnaval e colocar em alguma escola a Ala dos Penitentes para esses infratores, tudo em nome do desagravo ou de outra motivação cartática qualquer que seja aceitável...

Um abraço.

Emerson Schmidt.