¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, novembro 24, 2008
 
EU, PROTOPOLIAMANTE


Sobre poliamor, me escreve uma terna leitora:

Janer...

Há tempos não te escrevo, mas leio teu blog diariamente com o maior prazer. Não me contive na reflexão de seus questionamentos, e peço licença para tentar expor o que entendi sobre o conceito de poliamor. Esse tema que mais parece um neologismo foi abordado em uma palestra de Psicologia que assisti. Embora "a palavrinha amor seja parte constitutiva do palavrão", poliamor é o conceito de estar apaixonado por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Polígamos praticam poliamor, mas poliamoristas não necessariamente praticam poligamia. Podem viver de forma que vários adultos formem uma família, dividam os gastos, cuidem das crianças e façam sexo uns com os outros. No entanto, normalmente não tentam formar um casamento de acordo com a lei. Existe uma linha tênue entre uma família poliamorosa e uma poligamista. Poliamoristas tendem a ter visão comunitária e liberal, enquanto polígamos normalmente vêm de ambientes de religiões conservadoras. Com essa diferenciação, acho que é possível responder a ti: parece que não é preciso que exista o tal amor, mas é imprescindível que exista a paixão. Segundo consta, alguns estudos científicos apontam que a paixão dura apenas 01 ano. Paixões são intensas e arrebatadoras. Talvez por isso sejam tão prazerosas, durem tão pouco e nos deixem tão cegos. rs...

Janer...obrigada pelas reflexões, propostas por ti...
Beijo.


Se assim for, leitora, fui precursor e nem sabia. Comecei minha vida afetiva, há uns bons 40 anos, com duas namoradas, adorava as duas e não queria abrir mão de nenhuma delas. Fui o protopoliamante. Adorava minha Baixinha e adora uma bugra guarani, que me sussurrava com uma voz doce: xemboraihú. Naqueles dias, ninguém falava em poliamor. Não me lembro como se chamava, mas acho que devassidão, infidelidade, luxúria, coisas do gênero. Se chamasse como se chamasse, nunca me senti infiel. Infiel é quem mente, quem esconde e jamais escondi nada de ninguém. Saía com uma e com outra e às vezes com as duas, e ambas se entendiam muito bem. Eu tinha 17, 18 anos na época.

A vida acabou me separando da bugra querida e até hoje nutro a esperança de, um dia entre estes dias, receber um e-mail dela. Ainda é tempo. Quanto aos estudos científicos apontarem que uma paixão dura um ano, perdoa, leitora: vou negar toda ciência. Minha paixão durou 38 anos, e mais não durou porque ela partiu. Aquela outra paixão, que já tem mais anos, continua viva.

Quando jovem, sempre estive apaixonado por muitas mulheres ao mesmo tempo. Eram lindas, eram amáveis, me adoravam. Que me restava senão adorá-las? Paixão, eu diria, é coisa de jovem. Hoje, até posso me encantar com uma mulher. Mas não seria mais uma paixão daquelas que nos fazem gozar e sofrer ao mesmo tempo. Que nos levam a momentos de enlevamento e também de fiascos. Sofro, hoje, a perda de minha Baixinha.

Um dia pensei: a vida pode recomeçar. Encontro outra mulher e ressuscito. Não é verdade. Eu precisaria voltar aos 17, encontrar outra menina com 17, recomeçar tudo de novo e, depois de umas quatro décadas, poderia concluir se valeu a pena. Ora, não tenho mais quatro décadas. Nem voltarei a meus 17. Panta rei. Que se vai fazer?

Eu, que tive tantas, te confesso que até hoje não entendo esse troca-troca quotidiano de parceiros. De minha parte, nunca troquei ninguém. Olho para trás, para meus companheiros de geração, meus colegas de universidade. Não encontro um só que não esteja divorciado. Em torno a mim, só vejo destroços de naufrágios, gente se afogando em busca de um outro náufrago para se afogarem juntos. Quanto a mim, o devasso, permaneci fiel por quatro décadas. E por mais décadas permaneceria, não nos visitasse a Indesejada das Gentes.

Isso de poliamor é recurso de advogado chicaneiro. Como poligamia é crime, fala-se então em poliamor. Mais dia menos dia ainda vai descobrir-se que todo mundo é poliamantíssimo. Quem sabe um dia chegaremos a uma sociedade em que toda pessoa se aceite como é. Não acredito muito nisso, os seres humanos adoram ficções.

Ma... chi lo sa?