¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 04, 2008
 
O visionário de Taubaté (5):
A SOLUÇÃO BRANCA



Ainda não recuperados das emoções da vitória, cem milhões de criaturas agradeciam aos céus a nova descoberta, que redundaria em um aperfeiçoamento físico da raça. O pigmento fora destruído mas o esbranquiçamento da pele não revelava cor agradável à vista. Com os raios Omega, tinham esperança de obter com o tempo a perfeita equiparação cutânea.

Em todos os bairros de todas as cidades, a Dudley Uncurling Company estabeleceu Postos Desencarapinhantes, que se multiplicaram ao infinito, como se uma força oculta empurrasse a empresa do inventor dos raios Ômega ao desencarapinhamento da América Negra no menor espaço de tempo possível.

Era dos mais simples o processo. Três aplicações apenas, de três minutos cada uma, ao custo de dez centavos por cabeça, faziam com que os negros acorressem aos postos como cães famintos. Os brancos, inicialmente irritados com o que chamavam de “a segunda camouflage do negro”, acabaram se divertindo com o espetáculo da súbita transformação capilar de cem milhões de criaturas.

Na véspera do dia da posse, Jim Roy, em sua residência particular, sonhava o maior sonho já sonhado no continente, quando seu criado lhe anuncia a visita de “um homem branco natural”. Era o presidente Kerlog, o adversário derrotado. Que anuncia ao líder negro não existir moral entre raças, como não há moral entre povos. Há vitória ou derrota.
– Tua raça morreu, Jim...
Os raios Omega de John Dudley tinham uma dupla virtude: ao mesmo tempo que alisam os cabelos, esterilizavam o homem. No dia em que seria empossado o 88º presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente negro da América, Jim Roy aparece morto em seu gabinete de trabalho. Os negros pensaram imediatamente em crime e chegou a haver um movimento de revolta. Mas o fatalismo ancestral superou o ódio e o imenso corpo sem cabeça recuou instintivamente e repôs-se no humilde lugar de onde a vitória de Roy o tirara. Procederam-se novas eleições e Kerlog foi reeleito por 100 milhões de votos. A vida da América voltou à normalidade.

Estrangulada a circulação da seiva, a raça extinguiu-se num crepúsculo indolor.
Nem exportação para a Amazônia, nem divisão do país, nem esbranquiçamento com a eliminação do pigmento e da carapinha. Mas extinção pura e simples de uma raça para o pleno desabrochar da Super-Civilização Ariana...

Em sua autobiografia, Testamento para El Greco, Nikos Kazantzakis nos fala de certos lábios e pontas de dedos sensíveis que sentem um formigamento ao aproximar-se a tempestade. Monteiro Lobato, criador sensível, sentia aproximar-se a catástrofe, o mais colossal empreendimento de extermínio em massa já ousado na História. Antes de morrer, ainda viu o bisturi germânico tentando extirpar uma etnia. Só enganou-se quanto à geografia.

Nestes dias de junho de 98, a imprensa internacional nos traz uma espantosa confirmação da hipótese de Lobato. Dan Goosen, cientista responsável por um laboratório secreto durante o apartheid na África do Sul, revela que o governo daquele país tentou desenvolver uma bactéria que poderia ser mortal ou causar infertilidade somente em pessoas com pigmentação de pele escura. Em declarações à Comissão da Verdade e Reconciliação para a África do Sul (CVR), disse um outro pesquisador, o dr. Daan Jordan: “Meu trabalho era desenvolver um produto que reduzisse a taxa de natalidade da população negra”. Este produto, que não chegou a ser desenvolvido, seria distribuído entre os negros, possivelmente misturado à cerveja de sorgo ou à farinha de milho (consumidos basicamente pela população negra) ou usado em uma campanha de vacinação. Por pouco, a vida não imitou a arte.