¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 04, 2008
 
O visionário de Taubaté (8):
A BIBLIOTECA DE BORGES



Também ao sul do Equador, um vizinho nosso, situado às margens do Prata, imaginava um acervo que hoje começa a tomar corpo com a Internet. Falava de uma biblioteca em forma de esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono. Sua circunferência é inacessível. Existe ab aeterno e nela não há dois livros idênticos. É ilimitada e periódica. Assim definia o Jorge Luis Borges, em um conto datado de 1941, Biblioteca de Babel. Em alguma prateleira de algum hexágono existiria um livro que era a chave e o compêndio de todos os demais. "Algum bibliotecário o terá percorrido e é análogo a um deus".

Na Babel de Borges, há um grave problema de comunicação. A Biblioteca abarca todos os livros. Todo conhecimento humano está disperso pelos hexágonos. O problema é encontrar o que se busca. Milhares de funcionários lutam, se estrangulam e morrem em busca dos livros nos corredores da biblioteca, muitas vezes derrubados por homens de hexágonos remotos. Outros enlouquecem. O autor exagera, o que é direito de todo ficcionista. Mas em muitas bibliotecas contemporâneas os funcionários já usam bicicletas ou patins para buscar os livros.

Em 41, estávamos a meio século da Internet. Hoje, aos buscadores desta ficção de Borges bastaria digitar um endereço eletrônico e teriam em segundos os livros desejados, sem a necessidade de estrangular-se ou enlouquecer, pedalar ou patinar, subir escadas ou cair em poços sem fundo. Hoje, um leitor de qualquer parte do mundo, com uma placa modem em seu computador, pode acessar a Congress Library em Washington, a Bibliothèque Nationale em Paris ou a Biblioteca Nacional de Madri. Ou as bibliotecas da USP, Unesp e Unicamp em São Paulo. Por enquanto, apenas bibliografia, é bom salientar. Mas a tendência é colocar o próprio livro à disposição do usuário, o que está sendo feito pelo projeto Gutenberg - http://promo.net/pg - e a ABU - http://cedric.cnam.fr/ABU -, entre outros sites. Nestes últimos, estão a seu alcance, desde Plutarco e Platão, até Descartes ou Marx, passando pela Bíblia, Voltaire ou Dostoievski. Por enquanto em francês e inglês, mas já estão sendo digitalizados acervos em português e espanhol.

Teoricamente, já se pode pensar na biblioteca total de Borges. Chegar lá é uma questão de tempo. A biblioteca faraônica iniciada por François Mitterrand - Tontonkhamon, para os inimigos íntimos - em Paris, concebida para armazenar acervos futuros, com seus quatro prédios mastodônticos em forma de livro, já nasce mais ou menos obsoleta. Seu design pertence ao passado.

A pergunta “quantos livros tem sua biblioteca?” inclusive perdeu o sentido e não mais permite uma resposta precisa. Vivemos uma época em que ninguém sabe de quantos livros dispõe em seu gabinete de trabalho. Os livros ao alcance de sua mão - ou de seu mouse - são tantos quanto os que estão digitalizados e disponíveis na grande rede, esteja você morando em qualquer aldeia do fim do mundo. Desde, é claro, que tenha uma linha telefônica por perto.