¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sábado, dezembro 06, 2008
 
A HISTÓRIA, ESSA SENHORA INCONVENIENTE


Leio na Folha que a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo decidiu diminuir a carga horária de história no ensino médio, como forma de compensar a inclusão de sociologia no currículo e a ampliação de filosofia, exigências previstas em lei federal.

Com a medida, os alunos do ensino público diurno terão 80 aulas a menos de história, considerando os três anos letivos (redução de 22,2%). No noturno, serão 120 aulas a menos (redução de 37,5%). O cálculo da Folha tem base no mínimo de 200 dias letivos ao ano (40 semanas), previsto em lei.

Nada do que o homem faz deixa de ter sentido. O estudo de história andou se tornando muito inconveniente nas últimas décadas. Deixava claro que Lênin e Stalin fizeram vinte milhões de cadáveres. Mao, 65 milhões. No Vietnã, os comunistas mataram um milhão de vietnamitas. Na Coréia do Norte e Camboja, dois milhões em cada país. Na Europa do Leste, um milhão. Na África, 1,7 milhão. Afeganistão, 1,5 milhão. América Latina, 150 mil mortos.

Ou seja, cadáveres demais para os salvadores da humanidade. Melhor não estudar história. História são fatos. Já sociologia e filosofia tratam de teorias. No ensino atual, ambas as disciplinas pouco tratam de sociologia e filosofia. São marxismo na veia. Todo o ensino nacional, ainda neste século XXI, está contaminado por esta teoria assassina do século XIX. Estudei tanto sociologia como filosofia. De sociologia, fiz duas cadeiras. Filosofia, quatro anos. Era marxismo puro. No caso da filosofia, meus professores começavam com a dialética em Platão para, obviamente, terminar com a dialética de Hegel e Marx. Este último, que não passou de um economista que jamais soube ver o que acontecia num raio de dois palmos em torno a seu nariz, até hoje é visto como filósofo.

Mais ainda: Marx era visto, por meus professores, como a culminância da filosofia. A história contemporânea o desmentiu de cabo a rabo. Mas continua sendo estrela e guia dos intelectuais latino-americanos. Digo latino-americanos, porque na Europa este sarampo já foi extinto.

Sempre vi a sociologia, pelo menos como é atualmente ensinada, como um repertório de teorias malucas a respeito do homem e do mundo. Ninho perfeito para albergar os comunossauros. Já a filosofia, se em seus primórdios nada tinha a ver com marxismo, hoje virou marxismo puro. Pelo menos na América Latina, repito. Lembro que, ao chegar em São Paulo, quando dizia ter estudado filosofia, uspianos me perguntavam: qual filosofia? Como qual filosofia? Filosofia, tout carrement. Aquela filosofia perene, da qual falava Huxley. Mas este conceito já não mais existia entre os PhDeuses uspianos. Filosofia era marxismo ou não era filosofia.

O estudo da filosofia é ilusório. Não existe filosofia. Existem filosofias. Isto é, a história da filosofia. Que não deixa de ser um saco de gatos hidrófobos. Chega um filósofo e diz: o homem vai para lá. Suas teorias são abafadas pelos filósofos que o sucedem, que estão absolutamente convictos que o homem não vai para lá, mas para cá. Na filosofia busquei respostas a certas angústias e na filosofia só encontrei abstrações que me conduziam a becos sem saída. As filosofias se fundamentam na razão e acabam se derrubando umas às outras. Propõem o conceito de um Homem ideal, com H maiúsculo – como escrevia Ernesto Sábato – mas este homem é uma abstração, não existe. O que existe, ainda segundo Sábato, é aquele homenzinho com h minúsculo, que será objeto da literatura.

Por mais gênio que tenham tido Platão ou Sócrates, certas concepções suas hoje nos soam ridículas. Mas não são ridículos os personagens de Dostoievski, Victor Hugo ou Flaubert. Estes são nossos contemporâneos, chamem-se Ivan Karamazov, Jean Valjean ou Emma Bovary. Quando estudei filosofia, fascinei-me pelos gregos antigos, li com avidez os Diálogos de Platão e acompanhei com certo entusiasmo a filosofia até os dias da Idade Média, quando, serva da teologia - ancilla Theologiae, como se dizia então – tornou-se, além de ridícula, totalitária. Mas era pelo menos compreensível. À medida que me aproximava da filosofia contemporânea, meu interesse ia mermando. Com Heidegger, Husserl e Sartre, morreu por completo. Abandonei os estudos filosóficos quando Gerd Bornheim, meu professor e um dos expoentes da filosofia tupiniquim, afirmou: “o objeto da filosofia, hoje, é encontrar o objeto da filosofia”. Basta, disse eu a mim mesmo, e tratei de buscar outros caminhos.

O acréscimo de sociologia e o aumento de filosofia são exigências de uma lei sancionada pelo PT, em junho passado, dizem os jornais. Só podia ser. Não passa dia em que o PT não tenha um reflexo nazista, erguendo aquele bracinho do Dr. Strangelove – do filme de Kubrick – em saudação ao totalitarismo. A lei prevê que as duas disciplinas sejam dadas nos três anos do ensino médio. São Paulo não possuía sociologia na grade e não havia filosofia no terceiro ano. O que o PT quer, como os católicos sempre quiseram, é evangelizar. Não por acaso o PT nasceu do bestunto dos uspianos e igrejeiros.

Fiz várias opções erradas em minha vida. Duas delas foram estudar Direito e Filosofia. Se bem que não foram totalmente erradas, no sentido em que o Direito me deu uma noção jurídica de Estado. E com a Filosofia tomei consciência que as concepções de mundo são cambiantes e se destroem umas às outras. Mas não precisava ter perdido quatro ou cinco anos para chegar a estas percepções. Dois ou três livros sobre Filosofia do Direito, mais outros dois ou três sobre História da Filosofia, teriam sido suficientes. Neste caso, não falo dos dicionários de Ferrater Mora ou Abbagnano.

Se você quiser estudar filosofia, compre uma singela História da Filosofia, pode ser tanto a de Julián Marías como a de Will Durant. Eleja então os pensadores que mais despertaram sua curiosidade e busque suas obras. Não perca seu tempo esfregando o traseiro nos bancos universitários. A menos que seu interesse seja levar meninas para a cama. Para isto, a universidade é ótima. E até mesmo a filosofia adquire um certo sentido.

O que eu gostaria de ter estudado desde o início, descubro hoje, é História, esta disciplina que São Paulo quer abolir. Mas também de pouco me teria adiantado, já que desde a fundação da USP, nos anos 30, história é marxismo na veia. Em meus dias de UFSC, ouvi uma professora de História afirmar: "a cronologia é reacionária"!

Só podia ser. Atrapalhava a visão marxista de mundo. Os alunos podiam ficar sabendo que Lênin mandou fuzilar os Romanoff em 1917. Que os gulags já existiam nos anos 20. Que Stalin começou suas purgas em 35. Que a affaire Kravchenko, em 49, eliminou qualquer veleidade de algum intelectual apoiar o comunismo. Que Kruschev, em 56, no XX Congresso do PCUS, denunciou oficialmente todos os crimes de Stalin. Assim, ficaria muito difícil, hoje, para os Oscar Niemeyers, Arianos Suassunas e Manuelinhas d'Ávila da vida defenderem a tirania. Melhor esquecer essa coisa inconveniente que se chama História.

O que precisa ser abolido do ensino não é o estudo da História. Mas a catequese marxista, que hoje manda e não pede na área dita humanística das universidades. Fora disto, não há como escaparmos ao subdesenvolvimento mental que até hoje contamina a intelectuália deste "continente puñetero", como escreveu Roa Bastos.