¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sexta-feira, dezembro 05, 2008
 
NO PERAU DO TIO ÂNGELO (VII)


Jag längtar hem sen åtta långa år.
I själva sömnen har jag längtan känt.
Jag längtar hem.
Jag längtar var jag går - men ej till människor!
Jag längtar marken,
Jag längtar stenarna där barn jag lekt!



Descobri grandes autores em meus dias de Suécia. Um deles foi Verner von Heidenstam, prêmio Nobel 1916. O excerto acima é de um de seus mais comoventes poemas. Traduzindo:

Tenho saudade de minha terra há oito longos anos.
Mesmo em sonhos saudades senti.
Tenho saudades por onde vou - mas não dos homens.
Tenho saudades do chão,
Tenho saudades das pedras onde criança brinquei.

Saudades do chão. Em 77, quando fui despedir-me daqueles pagos, minha primeira providência foi tirar os sapatos. Foi num inverno de muito aguaceiro e afundei os pés no barro. Fui hospedado na casa da Dona Maria, a mais antiga matriarca lá da Linha, mulher do finado “seu” Martim. A casa ficava no Uruguai e era o marco de uma tragédia. Houve uma desavença qualquer entre “seu” Martim e seu genro, que era meu primo. Vinham os dois pela Linha, meu primo com uma filha de poucos anos no lombilho, e ambos armados. O tiroteio foi ali mesmo. Coisas lá da Fronteira. Ivo, meu primo, atirou do Brasil. Martim caiu no Uruguai. Qual o foro adequado? Meu primo preferiu entregar-se no Brasil, onde se achava mais protegido.

Certa vez fui visitar meus pais em Dom Pedrito e coincidiu que naquele dia Ivo enfrentava o tribunal do júri. Chegou lá em casa de madrugada, feliz da vida e com a alma leve. Foi logo anunciando a meu pai:

- Fui absolvido, Canário. Por unanimidade, tche! Quatro a três.

Em sua insciência de homem do campo, nem tinha idéia de que se salvara quase por milagre. E por sua filha, a que ia na garupa na hora do confronto:

- Guria boa, Canário. Foi ela que me salvou. Olhou firme para o juiz e disse: “o vô puxou primeiro”.

Saudades do chão, dizia. Dona Maria cedeu a mim e à Baixinha sua cama conjugal, a mais solene do rancho. Para protestos da Baixinha, que não conseguia entender aquele senso de hospitalidade. Após o jantar, Nilza, minha prima, entrou na sala com uma bacia e quis lavar-me os pés. De jeito nenhum – protestou a Baixinha. Ela não entendia que, naqueles rincões, lavar os pés do hóspede é uma honra para o anfitrião. Não permitiu honra alguma à minha prima. "Só o que faltava" - refunfuñava. No que dela dependesse, nem a Madalena lavava os pés do Cristo.

Do outro lado da Linha, no Brasil, estava a casa do finado Solano. Onde cometi talvez o maior vexame de minha vida. Quando guri, já vivendo em Dom Pedrito, mas sempre voltando ao terrunho no período de férias, invadimos a cavalo, bêbados, eu e meus primos, o pátio do rancho do Solano. Eu conhecia umas marchinhas de carnaval lá do povoado e já cheguei cantando:

Solano amigo,
Vem beber comigo.
Quem bebe morre,
Quem não bebe morre também.
Não tem jeito,
Não tem solução,
Vamos beber até cair no chão.


Era tarde da noite. As Solanas – e eram uma safra – não acreditavam no que ouviam. O que eu não sabia era que o Solano morrera no mês anterior.

Bueno – como se dice allá – dia seguinte pegamos o Fusca e rumamos para meu rancho, há umas três léguas dali. Foi quando atolamos frente ao rancho do Hilário. Deixamos o carro no meio do barro e seguimos a pé. Era dia de vento e os alhos-bravos ondulavam como um mar verde, verde e revolto, até se perder de vista no horizonte. Pampa semper virens – pensei. Sei lá como, o latim me brotou espontâneo. E saí cortando campo rumo à Casa e ao Pau Vermelho, que já se divisava ao longe.

Antes de chegar à Casa e à sanga onde eu ia pescar joaninhas - só para espiar aquela coisa misteriosa da Corininha – havia o Cerro da Tala. Era uma coxilha de porte, teria talvez uns trezentos metros de altura, medidos desde a beira da sanga. De minha lembrança de piá, era um Himalaia. Em seu topo, havia uma tala solitária, eternamente fustigada pelo minuano, mas sempre rija e sempre em pé. Justo debaixo da tala, a Toca da Onça, caverna onde celebrávamos nossos rituais de guris.

Caverna coisa nenhuma. Era apenas um empedrado com um buraco sob a superfície. Em meus dias de criança, aquela grota me parecia imensa. Cabia quatro ou cinco piás lá dentro. Nunca faltava uma prima que subisse à tala, apesar dos espinhos. Lá do fundo da terra, eu continuava a olhar intrigado aquela coisa escura entrevista sob as saias. Minha meta suprema, naqueles dias, era descobrir o que era aquilo. Bom, mais dia menos dia a gente acaba descobrindo. É muito bom. E não deixa de ter seus mistérios.

Em minha volta ao Cerro da Tala, decepção total. A caverna profunda e misteriosa não passava de um buraquinho sob o pedregal, onde eu, adulto, já nem conseguia entrar. Eram apenas as pedras, onde criança brinquei. Stenarna där barn jag lekt! – como cantou Heidenstam. O que um dia me pareceu um Himalaia, na verdade não passava de uma coxilhazinha discreta. De onde eu já avistava, com o coração aos pulos, do outro lado da sanga, a Casa do tio Ângelo.