¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, dezembro 13, 2008
 
RUMO AO EX-BRASIL (II)


Eça, em seu senso premonitório, só não previu como se operaria este processo. Seria não o fim do império que determinaria o fim do Brasil. Mas entidades internacionais que, com o pretexto de defender causas indígenas, acabarão partindo o país em cacos. Embora o julgamento da demarcação e homologação de uma área contínua de 17 mil quilômetros quadrados para dezessete mil índios em Raposa/Serra do Sol ainda não tenha sido concluído, os oitos votos já pronunciados pelos juízes do Supremo Tribunal Federal a favor da demarcação fizeram da decisão um fato consumado. Quarta-feira passada, 10 de dezembro do ano da graça de 2008, passará à história como a data em que o Brasil começa a ser ex-Brasil.

O território entregue aos índios pode ser relativamente pequeno. Mas há mais 227 áreas em conflito que se beneficiarão desta decisão, constituindo um território das dimensões de Santa Catarina. Dentro em breve o mapa do Brasil terá o mesmo formato do mapa de Israel, um país judeu salpicado de encraves palestinos.

Na imprensa internacional, há muito se fala em uma autoridade supranacional para proteger a Amazônia. A edição brasileira da revista Geografia, em edição de 1993, já falava na capa do "país ianomâmi". Os jornais, não só do Brasil como do mundo todo, estão publicando fotos de mães ianomâmis e crianças ianomâmis, sinais premonitórios de independência à vista. Como vimos, antes da separação da Eslovênia da ex-Iugoslávia, os jornais foram inundados de mães eslovenas, crianças eslovenas, anciões eslovenos. Com a Croácia ocorreu o mesmo, fomos fartamente servidos de mães croatas, meninos croatas, anciões croatas. Idem com a Bósnia.

Comentando a criação desta entidade supranacional, tanto o general Zenildo de Lucena como o ministro do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa), almirante Arnaldo Leite Pereira, rechaçaram o debate sobre o assunto. "Isto não existe", disse o Lucena. "É inaceitável", disse Leite Pereira. "Seria ferir a nossa soberania e isso nós não admitimos, da mesma forma que nenhum outro país admitiria". Quando um roqueiro inglês veio ao Brasil determinar as fronteiras da "nação" ianomâmi, nossos militares permaneceram silentes. Agora, depois do fato consumado, quando elas existem e lá branco não entra, os militares rugem em defesa da integridade do país.

O comandante interino da 1a. Brigada de Infantaria de Selva, coronel João Paulo Saboya Burnier, já citado, diz que a reserva dos ianomâmis representa uma ameaça à integridade do território nacional. "Tenho certeza absoluta. Há a possibilidade da criação de uma nação indígena, em uma área do território nacional e outra de território venezuelano. Ora, uma nação não sobrevive dentro do território de outra. Isso ameaça nossa integridade".

Ocorre que o Brasil está há muito separado. Um cidadão brasileiro pode perambular por Santiago do Chile, Buenos Aires, Paris ou Nova York, mas está proibido de entrar naquele território equivalente a um Portugal que foi entregue a dez mil ianomâmis. E ninguém sabe se são dez mil. No último censo, foi impossível recenseá-los, por uma simples razão: eles não queriam ser contados. Ou seja, o poder federal já não pode ser exercido naquela área. Numa época em que as fronteiras externas tendem a cair na Europa, no Brasil são criadas fronteiras internas.

A revista Time deu com precisão espantosa o número de indígenas que existiam no Brasil no ano de 1500, quando aqui chegou Cabral: cinco milhões. Os portugueses deveriam ter um serviço de recenseamento de uma eficácia fantástica, pois cinco séculos depois não se sabe se os ianomâmis são de fato dez mil. A intenção da cifra é óbvia: associar a descoberta ao holocausto judeu.

Prova de que já existe uma república autônoma ianomâmi, é que nem mesmo um diplomata canadense conseguiu lá entrar, mesmo portando um passaporte diplomático que lhe permite viajar não só pelo Brasil como pelo mundo todo. Se um funcionário daquele poderoso país - que dobrou o Congresso nacional fazendo nossos representantes aprovar uma lei para libertar dois seqüestradores canadenses condenados pelo Judiciário - não consegue entrar naquela nova nação, que esperança pode ter de por lá viajar um mero cidadão brasileiro, que sequer tem a garantia de punição de terroristas internacionais que seqüestram seus conterrâneos ou de índios que massacram operários? Enquanto nossos militares começam a preocupar-se pela integridade nacional, há mais de século Eça de Queiroz já escrevera seu epitáfio.

As noções de distância de uma pessoa, pelo menos antes da era informática, correspondiam ao território em que habitava. Para um brasileiro, ir de Lisboa a Estocolmo não constitui exatamente uma longa viagem, afinal é como dar um pulo de Porto Alegre a Manaus. O mesmo não passa pela cabeça de um nicaragüense, por exemplo, ao qual parecerá uma aventura ir de Paris a Amsterdã. Esta amplitude mental geográfica, os brasileiros já podem começar a deixá-la de lado. Aquele mapa que a escola nos fixa na mente não mais existe.

Nestes dias de ex-URSS, ex-Iugoslávia, ex-Tchecoslováquia, o ex-Brasil é apenas uma questão de tempo. O país já está separado. Só nos resta optar por uma fórmula para dar andamento ao processo: vamos nos separar à la tchecoslovaca ou tentar o método iugoslavo?