¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, janeiro 20, 2009
 
A LUCIDEZ DO COUTINHO


JOÃO PEREIRA COUTINHO *

John McCain, presidente

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Mantenho a minha aposta no republicano porque as pesquisas não merecem confiança
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ALGUNS COLUNISTAS não têm vergonha na cara. Felizmente, sou um deles. Em dezembro de 2007, quando o mundo apostava em eleições presidenciais americanas entre Rudy Giuliani (republicano) e Hillary Clinton (democrata), eu olhei para a minha bola de cristal e disse, com certeza cósmica: McCain vencerá. Lembram? Escrevi aqui e recebi assobios de volta.

Muita água passou debaixo da ponte. McCain foi o candidato republicano. Mas as pesquisas atuais são esmagadoras para McCain. Sete pontos de desvantagem são sete pontos de desvantagem. E perder Estados-chave (como a Flórida ou a Virgínia) praticamente resolve a questão presidencial a favor de Barack Obama. E agora, Coutinho?

Agora, volto a olhar para a minha bola de cristal, e McCain continua vencendo. Os leitores não acreditam no colunista? O colunista vai tentar convencer os leitores.
Sim, qualquer jornal diz o óbvio: McCain falhou em dois momentos essenciais. Falhou na crise financeira e nos debates televisivos.

Na crise, McCain falhou na forma inicial como lidou com ela: ao suspender a campanha eleitoral e ao ameaçar não comparecer ao primeiro debate, o comportamento de McCain não foi entendido como politicamente responsável, mas como oportunista e errático. McCain começou a sangrar nesse preciso momento, quando ainda liderava nas pesquisas.
E os debates? Os debates não foram meigos para McCain. Substancialmente, McCain venceu os três: é o mais preparado em política externa e, economicamente falando, a América não se salva com mais Estado; salva-se com melhor Estado, ou seja, com uma administração que seja capaz de não interferir abusivamente no mercado em nome de uma agenda "social".

Mas Obama venceu porque televisão é imagem, e imagem é poder. Ele é jovem, retoricamente hábil e um crítico de Bush; McCain é velho, fisicamente limitado e injustamente colado a Bush.

Apesar de tudo, mantenho minha aposta em McCain. E mantenho minha aposta porque as pesquisas não merecem confiança. Os republicanos sempre se deram mal com elas. Em 1980, dez dias antes da eleição, Reagan (39%) perdia para Carter (47%). Dez dias depois, Reagan vencia Carter. Os analistas dizem que o caso só é explicável pela crise dos reféns americanos na embaixada de Teerã, que Carter não soube resolver. Verdade.

Mas existe um padrão nas pesquisas dos últimos 30 anos, que sempre foram tradicionalmente benevolentes para com os democratas. Será preciso relembrar as pesquisas de 2000, quando Al Gore vencia Bush?

Ou a vitória virtual de John Kerry sobre o mesmo Bush em 2004? Deu no que deu.
A juntar a tudo isso, Obama é negro. Eu sei que não é politicamente correto relembrar o fato. Mas conto uma história para sossegar os ânimos: em 1982, Tom Bradley era candidato a governador da Califórnia. Bradley liderava nas pesquisas com margem confortável. Bradley era negro. No dia da votação, Bradley perdia para George Deukmejian, o candidato branco.

Moral da história? Existe um racismo escondido que diz uma coisa para as pesquisas e outra para o boletim de voto. Os números atuais não refletem os cinco pontos (mínimo) que o "efeito Bradley" costuma roubar ao candidato negro.
E se os especialistas afirmam, com infundada certeza, que a América está menos racista do que em 1982, é necessário recordar um pormenor básico: desde então não houve uma oportunidade séria para testar esse otimismo. Como disse recentemente Edward Luce, colunista do "Financial Times", os políticos negros que são eleitos nos EUA representam apenas eleitorados igualmente afro-americanos. Jogar em casa não vale.

As pesquisas devem ser lidas com ceticismo. E se McCain, até dia 4/11, mostrar que é o líder mais preparado e experiente para levantar a economia americana sem um assalto abusivo ao bolso dos contribuintes; e se conseguir reconquistar o centro moderado sem alienar a falange direitista dos republicanos, o mundo inteiro que já elegeu Obama para a Casa Branca vai abrir a boca de espanto e horror.

* Folha de São Paulo, 21 de outubro de 2008