¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, janeiro 22, 2009
 
SATANÁS DERRUBA
TETO DA RENASCER



Cultivo certos prazeres perversos. Um deles é assistir, nas madrugadas, os cultos das igrejas ditas neopentecostais. Aqueles templos repletos de crentes, com capacidade para quatro ou cinco mil pessoas, sem uma única cadeira vazia, me fascinam. Gosto de ver closes dos rostos dos fiéis. Milhares de pessoas, compungidas até as lágrimas, ouvindo o palavrório vazio de um gigolô das angústias humanas. Como pode? Não terá aquela gente toda algo melhor a fazer de suas noites? Fico perplexo. Assistir aqueles cultos pela televisão é uma forma de conhecer o Brasil sem sair de meu sofá.

Encontrei-me, outro dia, em um de meus restaurantes diletos, com um de meus bons interlocutores. Conversa vai, conversa vem, manifestei esta minha perplexidade. Coincidiu que ele administrava o aluguel de um imóvel da IURD – Igreja Universal do Reino de Deus – fundada em 1977 pelo infatigável pastor Edir Macedo, que antes deste ano da graça trabalhava como caixa de uma agência lotérica. Ele contou-me então o que eu não imaginava existir. O templo tem capacidade para 15 mil pessoas sentadas. E mais 35 mil em pé. Sob o altar, os santos pastores construíram um compartimento subterrâneo. A coleta dos dízimos cai diretamente do altar para os cofres desse compartimento. E de lá sai, sabe-se lá para onde, por um túnel. Tudo construído sem licença da prefeitura.

Em 2005 o deputado João Batista (PFL de São Paulo), que respondia como presidente da igreja, e mais seis pessoas foram detidas pela Polícia Federal com dez milhões de reais em dinheiro transportado em sete malas. O deputado disse que "o dinheiro é resultado de doações dos fiéis" e a IURD manteve a posição de que o dinheiro é fruto de doações.

Mais ainda. Contou-me meu interlocutor que ninguém assiste a um culto sem pagar nada. Se o crente foi lá apenas para orar ou ouvir o pastor, sem levar grana no bolso, seu nome é anotado como devedor. Sua dívida tem de ser paga no próximo culto. Ou você acha que a palavra de Deus é gratuita?

Ocorrem-me estas lembranças em função do desabamento do teto do templo maior da igreja Renascer em Cristo, fundada por um casal de notórios vigaristas, hoje cumprindo prisão nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Quis o bom Deus que os pastores fundadores da igreja, os sedizentes apóstolo Estevão e a bispa Sonia, permanecessem em segurança, em prisão domiciliar, na Flórida.

A igreja Renascer foi criada em um fundo de quintal em 1986. Hoje, tem mais de 1.200 templos espalhados pelo Brasil, Japão, Argentina e Uruguai. A fortuna amealhada pelo casal de apóstolos é avaliada, hoje, em 20 milhões de reais. Templo é dinheiro.

Em meio a isso, prefeitura, órgãos de fiscalização e a própria igreja se acusam mutuamente pelo desastre. O Contru – órgão da Prefeitura de São Paulo responsável pela fiscalização da segurança dos imóveis da cidade – atestou, em julho de 2007, que o prédio onde funcionava a sede da Igreja Renascer em Cristo, no Cambuci, estava "em condições aceitáveis de segurança". No último domingo, o telhado do templo desabou matando nove pessoas e ferindo outras 124.

O Contru informou, à época, que o templo estava irregular devido à falta de alvará, vencido em 2004. Após novas cobranças de documentos por parte do Contru, o pedido de renovação do alvará foi indeferido em outubro de 2007. Mesmo assim, nenhum órgão da prefeitura tomou providências para multar a igreja ou mesmo lacrar o prédio. Além do mais, a Renascer em Cristo contratou uma empresa sem registro no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), a Etersul Coberturas, para executar a reforma no telhado de sua sede.

Enfim, esta discussão burocrática é o que menos interessa. Os pastores fundadores, o apóstolo Estevão e a bispa Sonia, hoje presos na Florida, fizeram uma aparição virtual a cinco mil fiéis, em templo emprestado por outros irmãos de vigarice, a Assembléia de Deus. Disse o apóstolo Estevão Hernandes:

"Nós vamos renascer das cinzas", disse ele, "Vamos esmagar com nossos pés sangrando a cabeça do gigante-satanás que fez aquele teto da Lins de Vasconcelos desabar", disse, referindo-se ao endereço do templo.

Descobriu-se, finalmente, o responsável pelo desastre, o gigante-satanás. Segundo a Folha de São Paulo, Hernandes comparou-se ao personagem bíblico Jó, a quem Deus permitiu que Satanás infligisse todos os sofrimentos para testar sua fé. "Também a casa de Jó caiu com seus filhos dentro", disse o apóstolo em um tom choroso, ao lado da bispa Sônia, toda coberta de preto. "Mas o sofrimento e a dor me glorificam".

Ou seja, o sofrimento e a dor dos crentes o glorificam, já que o apóstolo, protegido por uma confortável prisão nos Estados Unidos, não sofreu nada. Como de todo sofrimento sempre se pode tirar algum lucro, o bom pastor aproveitou o azo para acrescer alguma grana à seus vinte milhões de reais: "A imprensa que está aqui vai dizer que nós estamos pedindo uma doação especial. E estamos mesmo. Não é para mim, nem para a bispa, é para a glória de Deus. Venham aqui, à frente do altar, apresentar as suas doações. Porque a quem dá, Deus não permite que falte nada”.

Independentemente da doação dos fiéis, me parece que a Renascer deveria entrar com processo contra o gigante-satanás, único responsável pela queda do teto, por danos, perdas, lesões corporais e assassinato.

Tudo pela glória de Deus. Amém?