¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 09, 2009
 
SOBRE MINHA REPULSA
AO HOMEM QUE NÃO LÊ



Espero que o leitor não se espante: tenho grande respeito por pessoas que não lêem. É que nasci entre elas. No campo, não chegavam – e creio que ainda não chegam – jornais nem livros. O primeiro meio de comunicação a chegar lá foi o rádio. Praticamente todo meu clã não lia, por uma simples razão: a leitura não chegava lá. Mas eles sabiam ler, fato que até me espanta.

Minha mãe, professora primária rural, quando ia a Dom Pedrito voltava com a mala cheia de histórias em quadrinhos, seleções do Readers Digest e revistas de detetives, que era o encontrável na cidade. Eu tinha um tio em Livramento que me enviou quase toda a coleção Terra-mar-e-mar, onde li desde Tarzan a histórias de capa e espada. Mas era uma exceção. De certa forma, naqueles pagos, eu era o único a ter uma biblioteca incipiente.

Meus parentes viviam para o trabalho, fazendo uma agricultura da mão para a boca. Eram pessoas de profundo senso ético. Claro que as leis lá da Linha Divisória não eram as mesmas do “povoado” e crimes aconteciam, muitas vezes por uma palavra errada dita em hora errada. Mas sempre respeitei aquela gente e até hoje nutro por eles grande carinho. Já as novas gerações, estas se educaram, foram para o “povoado”. E tiveram acesso à leitura.

Até aí, todo meu respeito ao homem que não lê. Mas se você é presidente da República e afirma que não lê jornais porque sente azia, o não-ler toma proporções mais graves. Se não lê jornais é claro que muito menos lê livros. Por isso, citei mais abaixo a história de Chance Gardiner, o personagem de Kosinski, que sem saber ler chega a ser cotado para presidente da República. Sua reputação toda decorre da repetição de lugares-comuns ouvidos na televisão. O que era ficção em Kosinski, tornou-se realidade ao sul dos trópicos. Os brasileiros elegeram - e reelegeram – um analfabeto para presidir o país.

Quando digo que Lula é um analfabeto, não estou dizendo que o bruto não saiba ler. Isso ele sabe. Ocorre que ele é o pior dos analfabetos, no dizer de Mário Quintana, aquele que sabe ler e não lê. Pior ainda, demonstra orgulho em não ler.

Desconheço instrumento mais eficaz de aquisição de cultura do que o livro. Meus pagos à parte, não tenho maior respeito pelo homem que não lê. Sem falar que ler é prazer requintado. Em um pequeno objeto, o livro, tenho em minhas mãos todo o pensamento humano. Nunca me queixei do preço de um livro. Houve época em que, para comprar-se um pergaminho, era preciso vender um rebanho. Depois de Gutenberg – e principalmente Aldus Manutius – mudou o trote da mula. A leitura, para desagrado da Igreja, ficou ao alcance de todos.

Hoje, por poucos vinténs, tenho acesso ao pensamento de Platão ou Nietzsche, posso ler tanto a Bíblia como Proust, Renan ou Toynbee, Pessoa ou Mário Quintana. Ou, se quiser, Paulo Coelho ou Bruna Surfistinha. Hoje, não lê quem não quer. Por isto nominei Lula como o Supremo Apedeuta. Todos os demais apedeutas do Brasil estão abaixo do Supremo.

Me sinto no deserto quando chego em uma casa e não vejo uma biblioteca. Felizmente, há muito não visito tais casas. Em meus dias de universidade, encontrei uma professora de literatura portuguesa que não tinha um único livro em sua casa. Sei disso porque pensei em alugar o apartamento dela e o revirei peça a peça. Ela era um protolula. E lecionava numa universidade. Coisas nossas.

Homem que não lê é um buraco... cheio de nada. Nada conhece da aventura humana, não tem noção alguma de história, desconhece o que seja o mundo. Verdade que a televisão, hoje, oferece muita informação de valia. Mas a informação televisiva nunca será suficiente. Televisão pode mostrar fatos, mas não elucida conceitos. Sem falar que não se pode sublinhar reportagem de televisão, muito menos fazer anotações à margem. Tenho aprendido muitas coisas com certas produções televisivas. Mas elas não suprem a falta de leitura.

Leitura, para mim, é vício. Não consigo andar sem leitura em punho. Esteja onde esteja, levo leitura. E pelo jeito, isso não é de hoje. Há alguns anos, revisitando Dom Pedrito, encontrei pessoa que me conhecera em minha adolescência. “Sim, lembro de ti, sempre andavas com um livro ou jornal debaixo do braço”. Eu já nem lembrava disso. Foi bom relembrar.

Que um homem do campo não leia, entendo. Que um homem da cidade não leia, já tenho dificuldade em entender. Que um presidente da República não leia e disto se orgulhe, bom... a este homem, minha mais profunda repulsa.

Extensiva a todos que o elegeram e reelegeram.