¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 30, 2009
 
VAMOS DEIXAR DE HIPOCRISIA:
ABORTO JÁ É LEGAL NO BRASIL



Discutia, outro dia, com uma jovem leitora, a respeito do aborto. Ela era contra. Bom, eu também sou. Independentemente dos casos de estupro, de fetos malformados, há muitas moças no país usando o aborto como anticoncepcional. É preciso ser muito irresponsável para submeter-se a um procedimento traumático, tanto física como emocionalmente, só por não ter tomado uma pílula ou usado um preservativo. Neste sentido, sou contra o aborto.

Mas sou a favor da descriminalização do aborto, e não é de hoje que afirmo isto. Da mesma forma, sou contra as drogas. Mas a favor da descriminalização das drogas. Se uma mulher se descuida, não vejo porque teria de destruir sua vida criando um filho que não quer e que, na maior parte das vezes, não tem condições de criar. Não participo dessa idéia da Igreja Católica – bastante recente do ponto de vista histórico – de que a tal de alma já está presente no embrião. Há precisamente um ano, eu comentava que dois campeões da Igreja, são Tomás e santo Agostinho, eram favoráveis ao aborto. Segundo o aquinata, só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. Para o Doutor Angélico, como o chamam os católicos, a chegada da alma ao corpo só ocorre no 40º dia de gravidez. A posição de Aquino sobre o assunto foi aceita pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.

Nunca é demais lembrar que foi apenas em pleno século XIX, em 1869 mais precisamente, que o Papa Pio IX declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize. Se os católicos se pretendem contra o aborto, deveriam começar destituindo seus santos da condição de sapiência e santidade. Ou seja, faz apenas 140 anos que a Igreja decidiu que uma mulher não mais é dona de seu próprio corpo.

Falava da jovem leitora. Ela dizia que, no Brasil, aborto é crime. Será? Veja, em sua última edição, lembra um dado que não é novo: os especialistas estimam que chegue a um milhão o número de abortos, hoje, no Brasil. O cenário teria sido bem pior na década de 80, quando os abortos clandestinos podem ter chegado a 4 milhões por ano. A redução desse número se deveria ao aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e à disseminação no país de políticas de planejamento familiar, logo estas duas medidas às quais à Igreja se opõe ferozmente.

Aborto é crime? Ora, quando se cometem um milhão de crimes ao ano – ou quatro milhões – há muito o crime deixou de ser crime. Aborto entrou na categoria dos usos e costumes. Neste país onde 250 mil criminosos, já condenados, vivem livres como passarinho, porque não há mais vagas nas prisões, onde colocar um milhão – ou quatro milhões – de mulheres, mais os milhares de profissionais que as assistiram durante o aborto? Se aborto ainda é considerado crime pela legislação, é crime de condenação impossível. E sem sanção não há crime.

Sempre foi possível neste país incrível, para quem tivesse algum dinheiro, encontrar médicos e clínicas confiáveis – ainda que clandestinas – para interromper a gravidez. O risco sempre foi quinhão dos pobres, que tinham de submeter-se a péssimas a açougueiros sem maiores habilitações. Ainda segundo a Veja, as complicações decorrentes de abortos mal feitos, sem condições de higiene ou segurança, constituíram, no ano passado, a quarta causa de morte materna, atingindo 200 mulheres.

Há ONGs fornecendo seringas a drogados, em nome de uma política de minimização de danos. Por que não fornecer então aborto seguro para preservar vidas?

Deixemos de hipocrisia. O aborto está há muito legalizado no país. Como a droga e o contrabando.