¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, fevereiro 17, 2009
 
ITAMARATY SUGERE À PAULA
SAÍDA SAFADA: FUGIR DA LEI



Alguém ainda lembra daquele intrépido chanceler que via claras evidências de xenofobia no caso da brasileira atacada por neonazis em Zurique e chegou a dizer que levaria o caso à ONU? Falo do Celso Amorim. Pois bem, pelo menos no Itamaraty já caiu a ficha. Segundo o Estadão, o Itamaraty quer que a família de Paula Oliveira decida rapidamente se a brasileira deixará Zurique antes da abertura de um eventual processo penal por fraude, ou se enfrentará as investigações até o fim, mantendo sua versão. Em uma longa conversa com a família de Paula, a consulesa do Brasil em Zurique, Vitória Clever, afirmou que poderia organizar a saída de Paula antes que a investigação fosse concluída e o possível processo penal, instaurado.

Mas se caiu a ficha no Itamaraty, ainda não caiu para o pai da moça, Paulo Oliveira. Embora já tenha dado sinais de que deseja voltar para casa ainda esta semana, continua acreditando na versão da filha, apesar de todas as evidências em contrário. Tanto que Paula ainda não foi informada de que a polícia suíça nega sua alegada gravidez que teria sido interrompida pelo ataque dos neonazis.

A sugestão do Itamaraty já é, em si, safada. Pretende subtrair da justiça suíça uma brasileira que cometeu uma grave fraude, com conseqüências nefastas para o relacionamento entre dois países. Em outros termos, o Brasil quer proteger um criminoso, já que este é brasileiro. O episódio serviu ainda para difamar internacionalmente a Suíça, como país que abriga e protege neonazis. Isso sem falar nos prejuízos causados à imagem do Brasil, cuja imprensa é agora vista como facciosa, caluniadora e patrioteira.

Digamos que a família decida trazer a moça de volta, como recomendam tanto a safadeza como o bom senso. Imaginemos o diálogo de surdos:

- Minha filha, tua mãe e eu decidimos que deves voltar ao Brasil.
- Voltar ao Brasil? Sem punir aqueles nazistas que me fizeram abortar? Não há justiça neste país?
- Não, filha, ocorre que seria mais conveniente esperar o desfecho disto tudo lá em casa...
- Mas eu não quero ir. Pelo menos antes de ver aqueles bandidos na cadeia.

A situação lembra um pouco Adeus Lênin, o belo filme de Wolfgang Becker, raridade nestes dias de salas inundadas por bestsellers para consumo de pobres de espírito. O drama gira em torno de uma cidadã da antiga Berlim Oriental, que caiu em coma um pouco antes da queda do Muro. Só sai do coma alguns meses depois, quando Berlim é uma cidade só. Para evitar que a mãe tenha algum infarto com a nova realidade, seu filho remonta o apartamento com os trastes da era socialista, que nesta altura já haviam sido jogados a um depósito. Toma o cuidado de fechar janelas e eliminar rádio e televisão. Dada a insistência da mãe em ter um aparelho de TV, o rapaz passa a produzir noticiários com um amigo cineasta, no melhor estilo da finada Alemanha Oriental. Ele produz uma RDA que não mais existe, para consumo da mãe em convalescença.

Com a decisão de não comunicar a filha um fato do qual ela precisa ter ciência, os pais de Paula terão de recorrer a recursos semelhantes aos do filme de Becker. Pra começar, a moça não poderá ouvir rádio nem assistir televisão. Muito menos ler jornais. E se sair à rua, talvez tenha surpresas nada agradáveis.

Assim como Paula mentiu às autoridades, os pais de Paula estão alimentando uma mentira piedosa. Que vai ser desta moça quando descobrir que ninguém mais, nem a polícia suíça, nem o jornalismo brasileiro, nem o Itamaraty acreditam em sua farsa? Continuará a sustentá-la? Seus pais continuarão sendo cúmplices da mentira? Ou tomará a atitude mais sensata, a de confessar que tudo foi uma fraude? Doerá, é verdade, mas ainda é a melhor maneira de chegar à saúde mental.

Quanto ao pai de Paula, que em verdade foi o responsável por todo este desastre, ao passar à televisão informações das quais não tinha prova nenhuma, este jamais se sentirá um fraudador. Permanecerá encerrado na condição de pai amoroso, que tudo fez a seu alcance para auxiliar a filha vitimada por bárbaros.

Quanto aos jornais e jornalistas de gatilho fácil, que sem checar fatos logo acusaram a Suíça de proteger neonazistas, com estes nada acontecerá. Algumas desculpas esfarrapadas, mais a sólida confiança na memória curta dos leitores, farão com que em poucos meses readquiram a credibilidade arranhada.

Quanto a Paula, sejam quais forem as razões que a levaram a tal insanidade, admita ou não admita a farsa, tem sua vida já mais ou menos destruída, pelo menos na Suíça. Qual empresário dará emprego a uma maluca que, com uma simples mentira, difamou o país urbe et orbi? Melhor voltar. Aqui no Brasil, sempre terá o apoio de algum patrioteiro que acredita na imprensa nacional e considera que a justiça suíça é uma fortaleza protetora de nazistas.

De última hora, leio que o pai da advogada parece não ter gostado da sugestão malandra do Itamaraty. Declarou ao Jornal Nacional que a filha não pretende fugir da Suíça. "Fugir de quê? Há alguma vítima? Minha filha vitimou alguém?", questionou Paulo Oliveira. "Ela quebrou alguma coisa? Ela deu algum prejuízo? Ela fez alguma perturbação da ordem? Não."

Santo e ingênuo pai. A moça quebrou muitas coisas, a começar pela reputação do país que generosamente a acolheu. E deu muitos prejuízos sim, prejuízos difíceis de serem ressarcidos. Uma mentira, uma vez divulgada pela imprensa, assume ares de verdade, por mais que seja desmentida. E perturbou também a ordem de uma forma quem nem imaginaria perturbar. Caluniou um país inteiro e conseguiu abalar mais um pouco a já frágil reputação do Brasil no Exterior. Um advogado deveria ter suficiente bom senso para avaliar estes estragos.

Estou curioso para assistir ao desfecho. De alguma maneira, esse furúnculo terá de ser purgado.