¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, fevereiro 21, 2009
 
RATO RENDE DUAS
CAPAS PARA VEJA



A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, do PMBD, concedida à Veja da semana passada, na qual acusa seu próprio partido e demais políticos de corrupção, foi vista como uma atitude extremamente corajosa, que parecia ameaçar as bases do poder. A entrevista foi valorizada a tal ponto, que a edição desta semana retoma o assunto. Assim é introduzida a matéria:

A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, recebida com silêncio pelo PMDB, entrará para a história como um marco na luta contra a corrupção. Ele deu as coordenadas do bom combate.

Mas que marco é esse na história da luta contra a corrupção? Vejamos o que disse, em síntese, o senador.

Ele afirma que “o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões”. Ora, disso há muito sabemos. Grande novidade. Diz que “a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção". Alguém duvida disto?

Considerou que a eleição de Sarney para a presidência do Senado é um completo retrocesso, “foi um processo tortuoso e conservador”. Ora isto é conhecido urbi et orbi. A revista britânica The Economist, em reportagem intitulada “Onde dinossauros ainda vagam", foi bem mais contundente. Classificou a eleição do senador maranhense como "vitória para o semifeudalismo". Nada de novo sob sol.

Afirmou que Renan Calheiros “não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem”. Ora, disto até os cisnes do lago do Congresso estão fartos de saber.

De seu partido, afirma: “hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos”. Ora, ninguém ignora isto. Nem mesmo os eleitores do PMDB, que por isso mesmo nele votam. Em seu Antonio Chimango, de 1915, Amaro Juvenal já dizia:

Quem tem doce pra dar,
Fica logo popular,
Todo mundo aponta a dedo.


Não há político nem eleitor neste Brasil que não saiba disto desde há muito. O eleitor pode parecer ingênuo, pelo menos para quem acredita que nele reside alguma nobreza. Não é ingênuo. É oportunista. Ou não teríamos no poder um demagogo oportunista como o que temos. Quantos políticos, apesar de notórios corruptos, recuperaram o mandato após terem sido denunciados e mesmo condenados por corrupção? São legião.

Por que o senhor continua no PMDB? – pergunta a revista. “Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política”. O senador pareceu esquecer que, permanecendo no partido, avaliza todas as corrupções que denuncia.

Vasconcelos, que apoiou Lula, defendia em 2002 que o PMDB apoiasse o governo. Agora tenta se redimir. “Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso”.

Ora, o Lula candidato não conseguia sequer explicar convincentemente como conseguira adquirir uma cobertura em São Bernardo. Passou décadas vadiando, sustentado por um compadre empresário. Como pode uma puta velha do Senado imaginar que este senhor governaria com ética?

Segundo Vasconcelos, neste governo, “o país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso”.

O que só demonstra que o senador é um leitor inveterado de jornais. Pois é o que a imprensa denuncia todos os dias. Do programa Bolsa Família, diz ser “o maior programa oficial de compra de votos do mundo". Como se alguém não soubesse. Afirma ainda o que todo analista lúcido da política nacional há muito vem afirmando: “Há um benefício imediato e uma conseqüência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu freqüento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece”.

E por aí vai. Não há uma única declaração que nos traga algo novo. Fala o tempo todo sobre o óbvio. Não dá nome aos bois. Fala em corrupção, mas não nomina nenhum corrupto. Porta-se, na verdade, como um adolescente brincando no Orkut. Acusa Deus e todo mundo, mas não denuncia ninguém, nem traz à tona provas da corrupção. É muito fácil acusar um governo ou partido de corrupto. Provar é que são elas. Muitas vezes, nem a máquina policial e judiciária o conseguem.

Evidentemente, não cabe a um senador da República fazer trabalho de policial. Mas se pelo menos nomeasse publicamente os corruptos, obrigaria o Judiciário e a Polícia a tomar iniciativas. Nem isso fez.

O sentido de sua entrevista parece surgir no último parágrafo: “Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas”.

Ou seja: o senador impoluto, “corajoso” a ponto de denunciar as mazelas de seu próprio partido, aponta seu candidato. Que naturalmente há de ser também impoluto. A reportagem parece ter sido plantada para apoiar a candidatura de Serra em 2010.

A Veja pariu um rato. O rato rendeu duas capas.