¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, março 24, 2009
 
QUE TÊM A VER COM ATEÍSMO CRÍTICAS
À BÍBLIA, À IGREJA OU AO PAPA? (I)



Quando comento a Bíblia ou critico a política da Igreja ou pronunciamentos do papa, recebo uma saraivada de emails me acusando de ateu militante. Este personagem – costumo afirmar – é um religioso de sinal trocado. No fundo, no fundo mesmo, está doidinho para encontrar um outro deus qualquer, mais de acordo com suas idiossincrasias. O que explica o aparente paradoxo de certos autores que fazem do ateísmo uma profissão e, ao final da vida, convertem-se à “verdade”. São vigaristas que, tendo exaurido os ganhos de um lado do balcão, passam a faturar do outro lado.

Que mais não seja, que tem a ver ateísmo com críticas à Igreja ou com a constatação de contradições insanáveis na Bíblia? Nada a ver. Leio no Journal du Dimanche, edição de domingo passado, que mais de 40% dos católicos franceses querem a renúncia do Papa, em função de seus últimos despautérios. Pelo menos 43% dos católicos franceses esperam que o Papa Bento XVI renuncie, ou se aposente, contra 54% que não desejam que isso aconteça (3% não se pronunciaram), de acordo com o Institut français d’opinion publique (IFOP). Ou seja, não são os malvados ateus que estão cansados com o papado de Bento XVI, mas o próprios católicos. Outros dados da pesquisa:

A proporção de católicos franceses que desejam a saída de Bento XVI chega a 47% entre os não-praticantes, mas cai para 31% entre os católicos praticantes. Interrogados sobre se a Igreja Católica deve "modificar seu discurso e suas posições para levar em conta as mudanças que se apresentaram na sociedade e nos costumes", uma ampla maioria dos católicos franceses estima que "sim", sobretudo, no que diz respeito aos métodos anticoncepcionais.

Segundo a pesquisa, 85% desejam que a Igreja modifique sua posição sobre a contracepção (75% entre os católicos praticantes); 83% esperam que faça o mesmo sobre o aborto; 77%, sobre o casamento entre divorciados; e 69%, sobre a homossexualidade. Por último, 49% dos católicos franceses consideram que o Sumo Pontífice não defende "muito bem" os valores do catolicismo.

O fato é que a Igreja está há muito dividida. Segundo Phillippe Portier, especialista em catolicismo contemporâneo e diretor de Estudos do Grupo Sociedades, Religiões e Laicidade da Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne, há múltiplas igrejas no interior da grande Igreja. “Os bispos e o Papa tentam produzir uma unidade mas se chocam com a vontade de pluralidade desejada pelos próprios católicos. Os católicos hoje se organizam conforme suas próprias concepções de fé, independentemente de um aparelho que não consegue mais lhes controlar”.

Por mais que Sua Santidade declare a excomunhão de quem aborta, considere doentes passíveis de cura os homossexuais ou condene o preservativo, católicos – que não pretendem renunciar à sua condição de católicos – nem ligam ao que Bento ou a Igreja dizem. E continuam praticando aborto, fazendo sexo como e com quem bem entendem e usando preservativos. A autoridade que a Igreja de Roma exercia sobre seus fiéis há apenas meio século, de lá para cá foi corroída pelo tempo.

Ou seja, criticar a Igreja ou seu líder há muito deixou de ser atitude de ateu. Se a pesquisa do IFOP fosse feita no Brasil, teríamos certamente resultados ainda mais surpreendentes.