¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, março 25, 2009
 
QUEM QUER COTAS, QUE
AS ASSUMA NO DIPLOMA



Em julho de 2006, escrevi artigo intitulado “Nazismo negro e guilda branca”, no qual comentava a nuvem de estupidez que pairava sobre o Congresso nacional naqueles dias. Não que sobre o Congresso costumassem pairar nuvens de inteligência. Mas naqueles dias a estupidez concentrou-se e ameaçava cair como chuva sobre o país todo. Dois projetos, que pretendiam mandar o Brasil de volta alguns séculos para trás, estavam sendo discutidos em Brasília. Um deles, o do senador Paulo Paim, já aprovado no Senado, queria mandar o país de volta à América racista do tempo das leis Jim Crow, ou talvez à Alemanha hitlerista ou mesmo à África do Sul do apartheid.

O Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador, decretava a extinção do mulato. Mais ainda, previa a identificação racial dos negros em documentos de identidade. Segundo o Estatuto, os negros passariam a ter carteirinha de negro. Curioso observar que nas décadas passadas os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Agora passou a existir e deve constar em documento. Como o branqueamento é bastante generalizado no Brasil, talvez fosse melhor uma tatuagem ou adereço bem visível, como Hitler instituiu na Alemanha para judeus e homossexuais.

Daí o título de meu artigo. Há poucos dias, recebo irado email de um cidadão negro:

Nazismo negro... Que colocação mais lamentável. Você classifica uma etnia inteira como nazista. Se esquece que muitos de nós negros que cursamos ou estamos cursando uma faculdade, não utilizamos o sistema de cotas.

Em primeiro lugar, louvemos as virtudes da Internet. Escrevo um artigo há quase três anos e ainda hoje estou recebendo contestações. Isto jamais existiu no tempo do jornalismo em papel. Em segundo lugar, não classifiquei etnia alguma como nazista. Classifiquei como nazista o projeto do senador gaúcho. Sei que muitos negros não utilizam o sistema de cotas e tenho por estes o maior respeito. São pessoas que não querem ganhar no tapetão e sim entrar na universidade por seus próprios méritos. Pelos mails que recebi desde então, sei que estes leitores têm grande apreço pelos artigos que tenho escrito sobre a questão negra. Continua o irado leitor:

Mas parece que você "esqueceu" dos horrores que os negros passaram e passam no país. Dia desses vi dois dos "ameaçados" de sua etnia perseguindo, a bordo de um belo carro do ano, uma senhora negra, já com as costas curvadas, pelo simples prazer de importuná-la. Casos em que minha etnia passa por situações como essa, existem aos milhões. Estranho não ver colunistas importantes comentando com tal repúdio tais casos. Não sou e nunca fui a favor dessas cotas universitárias. Sou a favor de uma cota por respeito. Uma que, utopicamente falando, reduza o desrespeito que a sua "ameaçada etnia" dispensa a esse enorme contingente, que corresponde a 5,4 por cento da população brasileira, em pelo menos 25 por cento.

Para começar, nunca afirmei que os de minha etnia estão ameaçados. O leitor está colocando palavras em minha boca. Pessoas de carro perturbando transeuntes perturbam tanto negros como brancos. Ser desrespeitado no trânsito, no Brasil, nunca foi privilégio de negros. De repente, o leitor transforma um caso em milhões. Diz querer uma cota por respeito. Ora, respeito todo mundo quer, sejam brancos ou negros. Daí a cota por respeito, vai uma longa distância. Se me falar em cota por pobreza, sejam os beneficiados brancos ou negros, até posso considerar a idéia. (No fundo, nem esta a aprovo. A universidade é para os melhores e não tem por função praticar caridade). Mas por que só o negro pobre teria tal direito? O leitor brande de novo minha “ameaçada etnia”. Mas quem falou em ameaçada etnia? Meu interlocutor atribui sandices a meu artigo para melhor atacá-lo. Isso se chama desonestidade intelectual.

Não tema que no amanhã, você tenha que se deparar com negros que venham a te suplantar em eficiência, dentro de uma redação de um jornal ou revista qualquer. Com relação ao termo mulato, ele deve mesmo ser extinto. Estude a etimologia da palavra e em como ela é ofensiva. Não para você é óbvio. Mas para um grande contingente, sim, ela é. E agradeça à estupidez desse congresso. Sem ela, você não poderia cometer essa leviandade de classifica-nos como o fez, chamando a nós negros de futuros nazistas.

Não no amanhã, mas em meu passado mesmo, encontrei tanto na universidade como nas redações de jornais negros de grande competência profissional. Eles não entraram na universidade por cotas. Foram admitidos concorrendo lealmente com seus colegas brancos. Quanto à estupidez, sempre a deploro, jamais a agradeço. E repito: jamais chamei os negros de nazistas. Defini como nazista o projeto do senador. E defino como nazistas todos os negros que defendem a idéia de uma carteirinha de negro para beneficiar-se de vantagens. Como definiria como nazista todo branco que brandisse uma carteirinha de branco. Mas nem todos os negros participam desta loucura, já que nem todos são racistas. Amanhã volto ao assunto.

Last but not least, se consagradas definitivamente as cotas, deixo modestamente minha sugestão. No diploma dos negros que entraram na universidade por este sistema, que conste em letras garrafais:

ADMITIDO NA UNIVERSIDADE PELO SISTEMA DE COTAS

Quem defende a idéia, que a assuma publicamente.