¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 28, 2009
 
BISPO EMÉRITO BRASILEIRO
CUMPRIMENTA BISPO EMÉRITO
PARAGUAIO POR SEUS DOTES
DE EMÉRITO REPRODUTOR



Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como ovelhas que não têm pastor. (Mateus 9:36)


Baita bispo, Don Fernando Lugo, el semental de la Pátria! Onde boleia a perna vai deixando filho feito, como se diz lá no Sul. Caudilho como Sua Eminência não foi jamais sonhado nem mesmo pela imaginação fértil de Roa Bastos, Garcia Márquez, Alejo Carpentier ou Andrés Rivera. Nem mesmo pelo esperpêntico Don Ramón del Valle-Inclán. Príncipe da Igreja, bispo emérito de San Pedro, presidente do Paraguai e pai de três filhos, segundo as primeiras notícias. De seis ou nove, segundo outras fontes. De dezessete, segundo a oposição. Um bispo-presidente com dezessete filhos ficção alguma concebeu. Só mesmo a realidade da América Latina. Ou talvez só mesmo o Paraguai. Difícil imaginar que em algum outro país do continente um prelado conseguisse eleger-se presidente.

O bispo emérito de San Pedro, ao manter relações com uma menina de 16 anos, transgrediu o Código Penal, ao cometer estupro segundo a legislação de seu país. (Hoje ainda, talvez para salvar o que pode ser salvo, a moça declara que a relação ocorreu aos 26 anos. Melhor não arriscar a mandar para o cárcere quem lhe provê seu sustento). Como religioso, transgrediu o Código Canônico, ao desobedecer a seu voto de castidade, professado não ante os homens, mas ante seu Deus, se é que Don Fernando nele acredita, o que muito me espantaria. Como cidadão, só reconhece – ou reconhecerá – sua prole, ainda indeterminada, sob a ameaça de exames de DNA. Curiosamente, tem recebido a solidariedade até mesmo de seus colegas de cetro. Assim como um dia o cardeal Evaristo Arns escreveu uma terna missiva ao ditador Fidel Castro, Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, saiu em defesa do emérito prevaricador.

Caro Amigo Presidente Fernando Lugo,

(...) E minha manifestação, depois ter ponderado com alguns irmãos e irmãs, é em primeiro lugar para dar-lhe os parabéns, fazendo eco à declaração do meu amigo e bispo Mons. Mário Melano Medina, seu compatriota, pelo seu ato de "valentia e sinceridade" ao reconhecer a criança. Uno-me também ao bispo metodista emérito Federico Pagura ao expressar-lhe, também em carta aberta, sua solidariedade: "ante tu decisión de hacer públicas tus relaciones com tu compañera, y tu compromisso de assumir plenamente tu responsabilidad de padre". Continue assim, caro Irmão, coerente com a inspiração evangélica, ao testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor do relacionamento entre o homem e a mulher.


Pelo jeito, o bispo de San Pedro terá de multiplicar por três, ou seis – ou talvez dezessete – seu ato de valentia e sinceridade. E os senhores bispos terão de
manifestar solidariedade, tantas outras vezes quantas forem as conquistas de Don Fernando, ante sua decisão de tornar públicas suas relações com suas companheiras, assim no plural. Não sei se os digníssimos prelados notaram, mas ao manifestar solidariedade ao colega em apuros estão fazendo a apologia da poligamia. O que não deixa de ser um progresso, numa instituição que até hoje não aceita o casamento de sacerdotes.

Se Don Fernando pretendeu “testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor do relacionamento entre o homem e a mulher”, que o fizesse como défroqué, e não antes de largar a batina, como de fato ocorreu. Que me conste, nada tem de coerente com a inspiração evangélica o gesto de um pastor que sai emprenhando a torto e a direito suas ovelhas desgarradas e errantes. Ó tempora, ó mores! Morro e não vejo tudo. Religiosos fornicando urbi et orbi existem às pampas. Mas jamais imaginei, em minhas seis décadas de existência, ver um bispo cumprimentando outro por sua paternidade.

Não bastasse um prelado fazer salamaleques ao reprodutor paraguaio, um ex-vice governador de São Paulo, homem que por ofício deveria zelar pelo cumprimento da lei, que mais não fosse do Código Penal, saiu ontem em defesa da lascívia episcopal. Falo de Cláudio Lembo, aquele mesmo senhor que cunhou a expressão “elite branca”, a responsável pelos males de São Paulo. Terá sido o inspirador do Sumo Apedeuta, quando este culpou os “brancos de olhos azuis” pela mazelas do mundo. Hoje, o ex-vice parece dedicar seu ócio a proferir as mesmas sandices que o bispo emérito de Goiás.

O debate é intenso. Os meios de comunicação preenchem expandem espaços para noticiar o inusitado: um bispo pai. A análise do episódio permite inúmeros ângulos de observação.

Certamente, o mais sensível sob o ponto de vista das pessoas é aquele da intimidade. Pode a vida privada das pessoas - mesmo que ocupem altos cargos - ser esmiuçada sem qualquer constrangimento?

É pergunta que se impõe. Na contemporaneidade, como doença endêmica, surgiu o deplorável vício de violação da privacidade das pessoas, tornando-as passíveis de uma exibição danosa.


Ora, por ocasião do artigo de Lembo, a mãe do filho do bispo ainda não havia alegado ter 23 anos quando do início da relação. Lembo raciocina a partir da primeira informação, a de que tinha 16. Pretende então o ilustre detrator das elites que construíram este país que estupro pertença à vida privada das pessoas, que não pode ser esmiuçada? Pretenderá que não se possa comentar a vida sexual de um sacerdote? Assim sendo, todo estuprador e todo padre pedófilo estaria ipso facto protegido por um escudo de privacidade. Belo argumento para um advogado brandir em defesa de seu constituinte: “A promotoria está invadindo a privacidade de meu cliente".

Tanto um dirigente de um país quanto um padre – ainda mais se tratando de um bispo – não podem abrigar-se no direito à privacidade para sair espalhando filhos impunemente pelo mundo. Se até a mulher de César tem de parecer honesta, com mais razões César tem de ser e parecer honesto. Que mais não seja, para que tais filhos sejam protegidos pela legislação, eles terão de vir a público para reclamar seus direitos.

“Há uma procura diabólica de novos filhos para o presidente – escreve Lembo –. Uma caça a mais um membro para a prole em franco crescimento. Nada moralista. Simplesmente, a presença de um manifesto sadismo. Sadismo coletivo”. Ora, não há caça nem sadismo. Os filhos estão surgindo por iniciativa das mães. Mas obviamente a imprensa – e muito menos a opinião pública – não manteria a fleugma ante escândalo de tal porte. Pela primeira vez no Ocidente se tem um bispo como presidente. Além de bispo, pai de muitos filhos. Não pretende Lembo que os jornalistas renunciem a trinchar tal prato.

Lembo lança a pergunta: “a imposição do celibato, em pleno século XXI, condiz com os atuais costumes e com as novas exigências da nova cultura do corpo?” Claro que não condiz. Mas isto é idiossincrasia do Vaticano, teimosia dos papas. Enquanto a Igreja de Roma não aceitar o casamento de seus padres, proibido está. Convivi com muitos padres em minha juventude, e dos mais excitadinhos. Não conseguiram suportar o jugo do celibato e tomaram a decisão correta. Largaram a batina e o sacerdócio.

Se alguém acha que tenho algo contra a poligamia, em muito se engana. Sempre fui polígamo e sempre me senti bem assim sendo. Acontece que não sou religioso, nunca fiz voto de castidade e não participo dos valores cristãos ou católicos que vêem na monogomia o modelo familiar eleito pelo Eterno para comportamento de suas criaturas.

Cada um escolhe sua cruz. Quem escolheu batina que a honre.