¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 14, 2009
 
SOBRE UÍSQUES E
BISPOS PARAGUAIOS



Até bem pouco, ouvíamos falar de filhos de padre. A Igreja se moderniza. Temos agora filhos de bispos. Leio nos jornais que o presidente do Paraguai, Fernando Armindo Lugo, ex-bispo católico, confessou ontem ao vivo pela TV que é pai de Guillermo Armindo, de quase dois anos. O escândalo sobre a existência de um filho do presidente, nascido quando ainda era bispo, começou antes do feriado da Páscoa. Lugo, que no ano passado deixou temporariamente seus votos religiosos para assumir a presidência, ficou em silêncio durante o fim de semana. Mas, com o aumento do escândalo, decidiu admitir a verdade ontem.

Para o analista político Alfredo Boccia Paz, de Assunção, "a sociedade paraguaia é bem relaxada sobre esses assuntos. É só recordar que o ex-ditador Alfredo Stroessner teve mais de 20 filhos ilegítimos." Pode ser. Mas Stroessner nunca foi bispo.

- É verdade que existiu um relacionamento com Viviana Carrillo, assumo todas as responsabilidades, reconheço a paternidade do menino - declarou Lugo. Mercedes Lugo, primeira-dama e irmã do presidente, saiu em sua defesa: “Quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra”. É meu caso. Ateu e portanto livre de qualquer pecado, tenho um saco cheio de pedras para atirar em Lugo.

Em primeiro lugar, descumpriu um voto, o de castidade, pronunciado por ocasião de sua ordenação como sacerdote. Em segundo lugar, infringiu o Código Canônico e por esta infração deveria ter sido punido pela Igreja. Não foi. Em terceiro, como alta autoridade eclesiástica, deu péssimo exemplo a seu rebanho. Em quarto, hipócrita, só assumiu a paternidade quando o escândalo chegou à imprensa. É um homem que mente. Se mentiu perante Deus – se é que acreditava no tal de Deus! – e ante à Igreja à qual devia obediência, com mais desenvoltura mentirá aos paraguaios que o elegeram. Como político, pode contar com a maioria dos votos de seus conterrâneos. Como ser humano, é um reles canalha.

Celibato é coisa da Igreja, não está na Bíblia nem nos Evangelhos. Você pode reler o Livro de ponta a ponta. Não encontrará uma única vez a palavrinha celibato. Muito menos castidade. Em Mateus, 8:14, lemos: "Ora, tendo Jesus entrado na casa de Pedro, viu a sogra deste de cama; e com febre". Se o primeiro papa tinha sogra, logo tinha mulher. Segundo a tradição judia, o casamento é um mandamento e o celibato é tido como algo deplorável. O primeiro mandamento da Bíblia é "crescei multiplicai-vos", o que estabelece o modelo de comportamento judeu. Segundo a Halakhah, ramo da literatura rabínica que trata das obrigações religiosas a que devem se submeter os judeus, o mandamento de frutificar se endereça apenas aos homens, de forma que o celibato feminino não coloca muitos problemas. Por outro lado, em um povo que esperava um Messias, o celibato só podia ser infamante.

Há uma exceção na Bíblia, o caso de Jeremias, que, aparentemente, escolheu permanecer celibatário, porque não queria pôr no mundo crianças que teriam de suportar o destino trágico de seu povo. (Atenção leitores do Machadinho! O homem, além de chegado a leituras bíblicas, não era muito original).

Diz o Talmud: "Aquele que não tem mulher vive sem alegria, sem bendição, sem felicidade, sem aprender, sem proteção, sem paz; em verdade, não é um homem". Os rabinos demonstram mais sensatez que os padres católicos. A Igreja, ao pregar o celibato, pretende seguir o exemplo de Cristo, que teria permanecido solteiro. Até pode ser. Mas Paulo, o homem sem o qual o cristianismo jamais existiria, foi incisivo em sua epístola aos Coríntios: “Contudo queria que todos os homens fossem como eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom, um deste modo, e outro daquele. Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem como eu. Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se”.

Os historiadores consideram que até os concílios de Latrão de 1123 e 1139 – que declararam nulos os matrimônios dos padres – a obrigatoriedade do celibato era praticamente inexistente. Em sua Enciclopedia del Erotismo, Camilo José Cela lembra a resposta do bispo de Liège ao papa Bento VIII. Quando este, em 1023, quis afastar de suas funções todos os sacerdotes casados e impuros, o prelado lhe esclareceu que, neste caso, deveria destituir a totalidade de seus ministros.

A obrigação do celibato foi solenemente sancionada pelo Concílio Ecumênico de Trento (1551) e por fim inserida no Código de Direito Canônico (can. 277 § 1): “Os clérigos são obrigados a observar a continência perfeita e perpétua por causa do Reino dos Céus; por isso são obrigados ao celibato, que é um dom especial de Deus, pelo qual os ministros sagrados podem mais facilmente unir-se a Cristo de coração indiviso e dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens”. É o que diz eufemisticamente o Código Canônico. Em verdade, o celibato foi introduzido pela Igreja Católica para evitar que a Igreja perdesse posses em eventuais disputas de herança, e se mantém até hoje.

Dito isto, segundo a vox populi, Lugo teria 17 filhos. Se assim for, não lhe será fácil assumir ou justificar os outros 16. Se desconfiar de uísque provenientes do Paraguai sempre foi uma boa precaução, mais prudente ainda é desconfiar de bispos paraguaios.