¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 22, 2009
 
ETNIA TICUNA
SE OUTORGA
PODER DE POLÍCIA



Diz a Constituição Federal em seu artigo 144:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Isso é o que diz a Constituição. O mesmo não pensam os índios da etnia ticuna, que há quatro meses criaram sua própria polícia para combater o crime na aldeia Umariaçu, a 1.105 km de Manaus. É o que nos conta hoje o Estado de São Paulo. As armas usadas pelos “policiais” indígenas são palmatória, chicotes e cassetetes. Eles usam fardamento com logotipo de dois cassetetes e um facão do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), design e nome criados por eles mesmos. Os detidos são levados a uma prisão de 1,5 metro quadrado.

“Os índios estavam cansados da omissão do poder público e resolveram tomar a iniciativa para proteger sua gente e suas terras”, disse o dirigente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré. Na semana passada, Sateré foi a Tabatinga para reunir-se com pajés da aldeia Umariaçu. “Pediram apoio para a delegacia, e anteontem encaminhamos a carta ao Ministério da Justiça e ao governo do Amazonas”, conta. Eles pedem a legitimação da delegacia, treinamento para os “policiais” e pagamento, já que todos são voluntários.

Há alguns anos, quando cheguei em Higienópolis, um judeu foi assassinado por um assaltante em frente a uma sinagoga. Os moradores do bairro, em grande parte de ascendência judaica, cansados da omissão do poder público, reuniram-se e decidiram criar um serviço de segurança privado para a vigilância das ruas. Houve consenso dos síndicos de condomínios e boa parte dos condôminos, ciosos de suas vidas e seus bens, aceitaram tranqüilamente pagar uma taxa para a manutenção do serviço. Se bem me lembro, na época a taxa era de 50 reais por unidade domiciliar e muitos dos habitantes do bairro já haviam começado a pagá-la.

O que não contavam era com a pronta reação dos eternos defensores dos tais de Direitos Humanos. Alegando que poder de polícia é de competência do Estado, moveram mundos e fundos e conseguiram vetar a solução encontrada pelo bairro. A idéia de uma segurança privada foi pras cucuias e as taxas já pagas foram devolvidas. É óbvio que estes senhores não dirão uma palavra sequer de protesto contra esta nova modalidade de segurança, não prevista na Constituição, a polícia indígena.

O que os ticunas estão criando, no fundo, é uma milícia, que não encontra amparo legal nas leis do país. Bastante diferente da intenção dos higienopolitanos, que jamais pensaram em uma delegacia, muito menos em prisões de metro e meio quadrado. Queriam apenas prevenir assaltos e proteger suas posses, como fazem os bancos ou serviços de transporte. Não estavam pedindo a legitimação de uma força policial, muito menos dinheiro ao governo.

O fato é que o Estado brasileiro há muito delegou aos cidadãos os cuidados com a própria segurança, prova disto é a proliferação de grades – muitas eletrificadas – cercando casas e prédios de todas as cidades do país. Isto se permite aos “brancos”, que trabalham, pagam seus impostos e querem segurança para si e para os seus. O que não podem é contratar seguranças.

Quanto aos índios, estes podem criar delegacias nas aldeias, ao mesmo título que qualquer Estado ou município. Mais ainda: os funcionários destas delegacias não serão escolhidos por concurso público, como é normal no país. Os “policiais”, no caso, serão índios. A posição da Secretaria de Segurança do Estado de Amazonas é de “não reconhecimento da delegacia, que é uma forma de milícia e está fora da lei”.

Há duas semanas, eu comentava o novo estatuto indígena que está sendo tramado nos corredores mais que escusos do Congresso. Segundo o novo texto, para condenar um indígena, a Justiça precisará avaliar se o ato praticado está de acordo com os usos e costumes da comunidade indígena a que pertence e se o índio tinha consciência de que cometia uma ilegalidade. Os ticunas, entusiasmados com o que lhes é acenado por defensores dos tais de direitos indígenas, pelo jeito pretendem poupar este trabalho à Justiça. O que falta saber é por qual justiça se orientarão os novos policiais. Por aquela justiça que considera o assassinato um crime? Ou por aquela outra, que considera um dever enterrar crianças vivas, caso sejam gêmeos, filhos de mães solteiras ou apresentem um defeito congênito?

Os bugres estão excitados com os novos tempos, a ponto de reclamarem em um hospital a alta de uma criança para matá-la na aldeia, em obediência a suas tradições milenares. Exigem agora uma polícia própria. Mais um pouco e pretenderão uma força militar própria.

Enquanto isso, o cidadão urbano é impedido de contratar seguranças para a proteção de próprio bairro.