¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 29, 2009
 
Recordar é viver:
A FARRA DO EXECUTIVO


Aos poucos, vai-se descobrindo que todo mundo viaja no Brasil às custas do contribuinte. Por todo mundo entendam-se os funcionários do poder e eventuais amigos, porque quem está longe do poder tem de pagar para viajar. Na Folha online, escreve Fernando Rodrigues: “Enquanto deputados e senadores são massacrados em público – de maneira justa – por usarem passagens aéreas de maneira ilimitada, no Poder Judiciário continua a prática de viajar por aí com tudo pago para participar de seminários. É um costume não menos condenável do que a farra das passagens no Congresso”. E nos conta sobre ministros do STJ que participam do Congresso Nacional do Ministério Público do Meio Ambiente em um hotel de luxo em Pernambuco. Como também sobre a tentativa do STJ de organizar o seminário “O desenvolvimento em tempos de crise” no hotel Iberostar, na Bahia.

Foi necessário que um deputado fosse flagrado financiando viagens para uma prostituta de luxo para se desenrolasse o fio da meada. Ora, as viagens dos ilustres magistrados não é novidade nenhuma. No Brasil, o turismo financiado pelo contribuinte é extensivo aos três poderes. E não só a eles. A verdade, caríssimos, é que neste país todo mundo – vide meu conceito de todo mundo – viaja. Viajam juízes, deputados, senadores, funcionários do Executivo. Não estou falando das viagens necessárias ao exercício de um cargo. Falo das viagens de lazer, em geral maquiadas como viagens de trabalho.

Se você observa um pouco a movimentação de funcionários neste país, verá que seus congressos, eventos, encontros, colóquios e simpósios de modo geral se realizam em cidades de poderoso atrativo turístico, como Recife, Natal, Salvador, Rio, Florianópolis. Um dos destinos dos senhores magistrados, por exemplo, é Porto de Galinhas, balneário preferido por boa parte da classe média alta para seu lazer. Há dez anos, o must – pelo menos para ministros – era Fernando de Noronha. É professor viajando para vitais encontros de literatura, assistentes sociais viajando por um mundo melhor, funcionários da saúde viajando em nome da saúde nacional, sindicalistas viajando em defesa da classe operária. Isso sem falar nos fóruns sociais da vida, cujos participantes sempre recebem viagens e hospedagens do sistema capitalista... para denunciar o sistema capitalista.

Curiosamente, nossos jornalistas parecem ter perdido a memória recente. Ou talvez tenham esquecido o bom hábito de pesquisar em arquivos. Ou na Internet, arquivo colossal que está ao alcance de um clique de mouse. Ao que tudo indica, ninguém mais lembra que o atual presidente do Senado, José Sarney, foi viajor entusiasta a expensas do Erário quando presidente. Que viajasse como presidente, nada a objetar. Ocorre que, em 1989, quando foi a Paris para participar das festas de 200 anos da Revolução Francesa, Sarney levou 150 pessoas a bordo de um Boeing, com todas as despesas pagas pelo governo brasileiro. Isto é, pelo contribuinte. O que talvez explique o silencioso obsequioso do presidente do Senado em relação à última farra com dinheiro público denunciada pela imprensa. O Boeing da alegria foi amplamente denunciado pelos jornais, mas nenhuma providência foi tomada para coibir tais despilfarros. Saudosos tempos aqueles, em que ninguém ligava para o que diziam os jornais.

O final dos 90 foi marcado por intenso turismo à ilha de Fernando de Noronha de ministros de todas as áreas – inclusive o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro – transportados por jatinhos da FAB. Entre os turistas da época, estão ilustres figuras do panorama político atual, como José Serra, Paulo Renato, Pedro Malan. Na época, a Veja fez uma lista dos Dez Mais, arrolando os ministros que mais utilizaram aviões da FAB, em todos os tipos de viagem, desde que tomaram posse (em número de vôos):

Francisco Weffort - 499
Clóvis Carvalho - 401
Raul Jungmann - 392
Paulo Renato - 290
José Serra - 267
Pedro Malan - 260
Eliseu Padilha - 246
Luiz Felipe Lampreia - 214
Francisco Turra - 141
Renan Calheiros - 121

Nada melhor que ler jornais antigos para entender o presente. Transcrevo abaixo a reportagem da Veja, datada de 19/05/99. Texto longo, mas que merece ser revisto nestes dias de corrupção explícita do Congresso. Se a moda pega... preocupava-se a revista. Pegou, e com força. E não há sinal algum no horizonte que um dia seja extinta. Voar às custas do contribuinte virou direito adquirido do poder.