¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 09, 2009
 
REMEMBER ARAGUAIA,
FORGET ABOUT POL POT



Leio nos jornais que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abriu ação contra o governo brasileiro diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento durante a ditadura militar (1964-1985) de 70 pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia e camponeses que viviam na região. É a primeira vez que o caso leva o Brasil à corte desde a criação dessas instâncias.

Neste mesmo período, mais precisamente de 1975 a 1979, Pol Pot exterminou algo entre 2,5 e 3 milhões de cambojanos e ninguém parece mais lembrar disto. Certo, o Camboja não pertence à OEA, que criou o CIDH, mas nestes dias em que um juiz espanhol quer estender sua jurisdição a Guantánamo, base americana em Cuba, alguma sumidade generosa bem que poderia lembrar o mais intenso massacre – e proporcionalmente maior à população de um país – ocorrido no século passado. O Camboja tinha, na época, sete milhões de habitantes.

Faz uns dez anos. Em uma cantina do bairro, encontrei um companheiro de charlas, médico, 43 anos, leitor compulsivo. Em 75, quando os khmer entraram em Pnom Penh, tinha 17 anos. Pergunto-lhe se já ouvira falar de Pol Pot. Jamais ouvira falar. Haja cobertura – e cumplicidade – da imprensa para matar três milhões de pessoas e não ser mais lembrado 25 anos depois. Se há uma década uma pessoa que, por seu ofício, deveria estar informada sobre as mortandades no mundo, nada sabia sobre o tirano asiático, que se pode esperar das atuais gerações tupiniquins? Estas só são informadas sobre 70 celerados que foram mortos durante uma insurreição que visava transformar o Brasil numa republiqueta soviética tropical.

Pol Pot mudou o nome do pais para Kampuchea/Camboja Democrático e exerceu poderes de vida e morte sobre toda a população. Para poupar munição, matava-se a punhaladas ou pauladas. Comportamentos banais eram motivo para o massacre: não trabalhar com afinco, reclamar das condições de vida, guardar comida para utilização própria, usar alguma jóia, ter relações sexuais não autorizadas, chorar a morte de algum amigo ou familiar. Usar óculos constituía risco de vida. Óculos são instrumentos de pessoas que lêem.

Morte aos intelectuais. A matança ocorria sem qualquer tipo de julgamento e prolongou-se de 1975 a 1979, quando as tropas do Vietnã invadiram o país. Não poucos intelectuais do Ocidente apoiaram o genocida marxista que, por sinal, fora iniciado em humanidades... em Paris. Noam Chomski, este abnegado defensor da liberdade e dos direitos humanos, chegou a negar os massacres no Camboja. Quando estes ultrapassaram a cifra de um milhão, passou a culpar os Estados Unidos pelas matanças. Outro grande defensor de Pol Pot foi esse admirável pensador chamado Jean Paul Sartre.

Após 18 anos escondido na selva, Pol Pot ressurgiu em julho de 1997. Um tribunal constituído por cúmplices seus do Khmer Vermelho o teria condenado à prisão perpétua. Falo no condicional, pois ao morrer, em circunstâncias suspeitas em abril de 98, o ditador vivia livre como um passarinho. Do julgamento pra valer, a morte o poupou.

Estamos em 2009. Trinta anos se passaram desde a queda do tirano. É o que os jornais chamam de efeméride. Existirão ainda editores com memória suficiente para celebrar a data? Ao que tudo indica, não. Memória só resta para celebrar 70 terrroristas abatidos no Araguaia. Suas famílias, de olho nas generosas indenizações conferidas aos que um dia quiseram destruir o país, querem notícias de suas mortes.