¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, maio 23, 2009
 
DANIEL NA COVA DOS NEMENHAH


Em meio a isso, encontro crentes coerentes nas páginas internacionais. Mais precisamente, nos Estados Unidos. Trata-se de Colleen Hauser, cujo filho, Daniel, 13 anos, tem linfoma de Hodgkin. O menino poderia ser curado com quimioterapia, mas a família pertence a um grupo religioso chamado Nemenhah, que acredita em terapias “naturais” praticadas por índios e recusou o tratamento quimioterápico. Um juiz mandou prender Colleen e hoje mãe e filho estão foragidos e são procurados pelas autoridades de vários Estados.

Colleen Hauser e Daniel teriam deixado sua casa em New Ulm, no Estado de Minnesota, na segunda-feira, pouco após uma consulta médica na qual exames indicavam que o tumor estava crescendo. A doença, diagnosticada em janeiro, é considerada curável com quimioterapia e radiação, mas Daniel abandonou o tratamento após a primeira sessão. É o que leio nos jornais.

A isto se chama coerência. Nada de crer em terapias naturais e ao mesmo tempo buscar tecnologia de ponta. Um juiz decretou a prisão dos pais de Daniel e ordenou que o menino seja colocado sob a tutela do Estado. O pai da criança criticou as autoridades. "Não sei porque eles provocaram esta situação. Por que eles pensam que têm direitos sobre meu filho?"

Boa pergunta, em um país em que os Testemunhas de Jeová se recusam a qualquer transfusão de sangue, mesmo que corram risco de vida. Afinal, está escrito em Atos 15:28,29: “Com efeito, parecem bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte indispensável: que vos abstenhais das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da impureza. Dessas coisas fareis bem de vos guardar conscienciosamente”.

Segundo a advogada Fabiana Costa Lima de Sá, para precaver-se contra cirurgias com sangue, os crentes carregam um cartão intitulado “Documento Para Uso Médico”, renovado anualmente e assinado pela portador e testemunhas, com freqüência, parentes próximos, que hoje é considerado documento legal. A maioria deles também assina um termo de responsabilidade que isenta os hospitais e médicos de qualquer responsabilidade civil ao proverem o solicitado tratamento sem sangue. Foram criadas Comissões De Ligação com Hospitais, com o fim de amparar as Testemunhas na sua determinação de não aceitar infusões de sangue e firmar um espírito de cooperação entre pacientes e instituições médicas, que mantém contato, só no Brasil, com quase 1.300 médicos. No mundo todo, existem 40 mil médicos dispostos a tratar e operar Testemunhas de Jeová sem sangue.

Entre nós, esta postura encontra abrigo no artigo 46 do Código de Ética Médica: “(É vedado ao médico) efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente risco de vida”. Com uma ressalva, a do artigo 56: “(É vedado ao médico) desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo e, caso de iminente risco de vida”.

Ocorre que os Testemunhas são mais de sete milhões no mundo todo, e só nos Estados Unidos há mais de meio milhão deles. Quanto aos crentes em Nemenhah, parecem não constituir massa crítica suficiente para produzir legislação. Se os pais de Daniel conseguirem fugir à ordem judicial de prisão, é claro que Daniel vai morrer. Se forem presos e Daniel for submetido ao devido tratamento, poderá salvar-se. Mas terá sido desrespeitada a liberdade de crença de seus pais. Pelo menos em um país que dá mais valor a crenças religiosas que à vida de um ser humano.

Na Bíblia, mesmo jogado na cova dos leões, Daniel foi salvo: “O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou a boca dos leões, e eles não me fizeram mal algum; porque foi achada em mim inocência diante dele; e também diante de ti, ó rei, não tenho cometido delito algum”. Foram então jogados na cova os homens que haviam acusado Daniel, suas mulheres e seus filhos, e foram destroçados pelos leões.

Na cova dos Nemenhah, Daniel não tem chance alguma. Coerência é bom. Mas também mata. Nosso vice sabe disso.