¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, maio 26, 2009
 
DEPUTADO COMUNISTA TEM
UM MOMENTO DE LUCIDEZ



É muito raro ouvir-se um depoimento sensato sobre a questão indígena no Brasil. Para minha surpresa, encontro ontem no Estadão, um depoimento lúcido e sensato... de um comunista. Falo do deputado do PC do B, Aldo Rebelo. O mesmo que teve a idéia nada feliz de proibir estrangeirismos no português falado no Brasil, como se as línguas fossem estanques. O mesmo que propôs a adição da farinha de mandioca à farinha de trigo, o que nos levaria a encomendar por amigos que fossem a Europa um mero pãozinho de farinha de trigo.

Com a entrevista de ontem, concedida ao repórter Roldão Arruda, Rebelo denuncia os desmandos da Funai, as pretensões das ONGs e antropólogos em construir Estados-fantoche, mostra o absurdo da expulsão dos arrozeiros de Roraima e a demarcação em área contínua da reserva Raposa Serra do Sol. O deputado comunista se redime de bobagens passadas. Merece transcrição.

''QUEREM QUE ÍNDIO CONTINUE TUTELADO''

Os índios brasileiros não são ouvidos pelas autoridades nos processos de demarcação de suas terras. O pior é que as demarcações ocorrem a partir de laudos antropológicos nem sempre confiáveis e sob pressão de organizações não-governamentais que insistem em tutelar os índios e apontar o Estado como ameaça à sua cultura. No conjunto isso estimula propostas secessionistas e põe em risco a integridade territorial do Brasil.

Em linhas gerais, esse foi o raciocínio que levou o deputado comunista Aldo Rebelo (PC do B) a apresentar na Câmara, em conjunto com seu colega Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), um polêmico projeto de lei que, se aprovado, obrigará o Executivo a submeter ao Congresso todos os processos de demarcação de terras indígenas. Na semana passada, em seu escritório político em São Paulo, o deputado, que já ocupou as cadeiras de ministro da Articulação Política e de presidente da Câmara, falou ao Estado, sobre o projeto e suas razões. A seguir, os principais trechos da conversa.

O que o levou a esse projeto, que transfere as demarcações do Executivo para o Legislativo?

O projeto não subtrai do Executivo a prerrogativa de demarcação das terras indígenas. Apenas o obriga a enviar a proposta ao Congresso, que analisa, promove as discussões, as negociações necessárias com as partes envolvidas. Depois a proposta é devolvida ao Executivo, na forma original ou modificada. É uma instância de negociação para todas as partes envolvidas, incluindo os índios, que não são ouvidos. O processo demarcatório é uma decisão unilateral da Funai (Fundação Nacional do Índio), que colhe o laudo - nem sempre rigoroso - de antropólogos e o submete ao Ministério da Justiça, que prepara o decreto de demarcação e encaminha ao presidente da República, que homologa.

Está mesmo dizendo que o governo não ouve os índios?

Não ouve. O caso da Raposa Serra do Sol é patente. Ali, um grupo grande de indígenas contestou a demarcação proposta pela Funai, mas não foi levado em conta.

A maioria dos índios era favorável à demarcação em área contínua.

Não creio. Pelo que apurei, em visitas à região, não havia maioria favorável. A relação entre os grupos de índios que vivem ali não é das mais amistosas e eles preferiam que a demarcação fosse em ilhas, onde cada tribo teria sua área demarcada, sem ser obrigada a conviver com outras. Isso também levava em conta as diferenças no estágio de evolução. Em Roraima existem indígenas que estão num estágio ainda próximo da coleta, da caça, e outros que são formados por pequenos fazendeiros, comerciantes.

O senhor falou que os laudos antropológicos que norteiam as demarcações nem sempre são rigorosos.

Ainda usando o exemplo da Raposa Serra do Sol, o laudo que deu origem àquela terra é eivado de fraudes. As mais diversas. Há fraude no censo que contabilizou a população indígena, na coleta de testemunhas, na contabilidade das malocas usadas como referência para a demarcação. Malocas localizadas na Guiana foram contabilizadas como se estivessem no Brasil. Tudo isso demonstra que é preciso uma autoridade que faça a mediação, para que não se cometam injustiças.

Falando em mediação, acha que os arrozeiros poderiam ter ficado na terra indígena?

Mas é evidente que sim. Já vi de tudo na vida. Já vi entrarem numa propriedade para desapropriá-la e trocá-la de mãos, como faz o socialismo, como fez Fidel Castro em Cuba. Mas destruir e imobilizar a capacidade produtiva, isso eu nunca vi. Como é possível transformar em crime a produção de arroz? Crime é contrabando, é narcotráfico.

Os arrozeiros não tinham títulos legais das terras.

Isso podia ser resolvido. Era só chegar e estabelecer um preço para eles. Aliás, porque os próprios índios não podiam arrendar aquelas terras? Obter algum tipo de benefício?

Por que isso não aconteceu?

Porque querem que o índio continue tutelado.

Afirma-se que, se seu projeto for aprovado, não haverá mais demarcação: serão todas barradas pela bancada ruralista do Congresso.

Acredito que o Congresso vai agir como tem agido, considerando em primeiro lugar a defesa da população indígena. Tudo que está sendo feito hoje decorre de uma autorização do Congresso - o Congresso Constituinte, que incluiu na Constituição a garantia e a defesa dos direitos indígenas. Eles sofrem de fato ameaças na sobrevivência física e na sobrevivência de suas culturas - daí a necessidade de demarcar suas terras, protegê-los. Mas ao mesmo tempo há necessidade de integrá-los; e não de estimular qualquer sentimento secessionista.

Acha que os antropólogos estimulam sentimentos secessionistas?

A antropologia, um ramo das ciências sociais, foi muito desenvolvida no auge do império britânico. O império estimulava, porque, por meio da ciência conhecia melhor os povos a serem subjugados. Em seus primeiros momentos, ela procurava convencer os chamados povos tribais, na África e em outros continentes, a se submeterem aos padrões da sociedade ocidental - porque isso interessava ao domínio britânico. Quando os impérios coloniais se desintegraram e essas sociedades tribais passaram a integrar embriões de Estados nacionais, a antropologia passou a aconselhá-los a permanecerem em seu estágio tribal, afirmando que os Estados nacionais eram uma ameaça. E é isso que, em resumo, vejo acontecer no Brasil. Dizem para os índios: continuem no seu estágio, o Estado nacional é uma ameaça a vocês. Eu acho que não há futuro para essas populações fora do Estado nacional brasileiro. O que vão constituir? Estados fantoches?

Pelo que diz, existe uma ameaça à segurança nacional.

No ano 2000, Orlando Villas Boas, que dedicou a vida aos indígenas, deu um depoimento a uma emissora de TV, hoje acessível pela internet, no qual fez uma advertência que é quase uma profecia. Disse que jovens ianomâmis estavam sendo levados para os Estados Unidos, onde iam ser treinados e aprender inglês. Depois retornariam ao Brasil para pedir a criação de um território próprio, um Estado. Nesse momento receberiam a proteção da ONU, que transferiria a tutela dessa população a uma grande nação. Ele dizia: "Eles não estão interessados nos ianomâmis, mas nas riquezas que há no subsolo."

Não acha isso fantasioso?

Não. No início do século 20 o Brasil perdeu 20 mil quilômetros quadrados do antigo Território de Roraima, em área consagrada, já demarcada como parte do território brasileiro. Inicialmente a Inglaterra enviou uma missão geográfica à região. Depois apareceu uma missão religiosa, que catequizou os índios, que, por sua vez, pediram a proteção da Inglaterra. Foi aí que os ingleses impuseram o litígio sobre a área. Ele foi submetido à arbitragem do rei da Itália, que dividiu o que era nosso: deu 20 mil quilômetros quadrados para a Inglaterra e deixou 20 mil para o Brasil. O território brasileiro sempre foi cobiçado.

O Brasil é signatário de convenções internacionais que tratam da questão indígena. Acha que podem constituir risco para a segurança nacional?

Sim. Principalmente a convenção da ONU que reconhece a soberania das populações indígenas.

Como vê a ação das ONGs?

O problema das ONGs é que veem os índios como instrumentos para estudos de caso de antropologia. Os índios dentro da reserva têm quase o status de uma cutia, uma paca, um bicho. Eles não têm direitos. São duplamente tutelados, pelas ONGs e pelo Estado.

Organizações envolvidas com questões indígenas dizem que a prioridade do Congresso deveria ser a votação do Estatuto do Índio.

Nós devemos votar o estatuto, demarcar as áreas indígenas, assegurar os direitos dos índios, garantir a presença do Estado no meio deles. Nós temos uma sub-Funai terceirizada, que praticamente entrega às ONGs a assistência aos índios. Queremos uma Funai forte, com uma política própria, que reconheça as dificuldades dessas populações. Como a sociedade nacional deve se comportar diante do índio? Segregando ou integrando? Eu defendo a integração.

Mesmo para os índios isolados, sem contato com outras culturas?

A nossa política sempre foi de fazer contato. Como é que o Estado vai prestar assistência a esses índios? Como vai levar assistência médica?

Não sente receio de ser identificado com grupos conservadores?

Não. Minha posição sempre foi em defesa da democracia, do socialismo e do Brasil.