¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, maio 27, 2009
 
YES! NÓS TAMBÉM
TEMOS AL QAEDA



O desejo de furar os demais jornais, a ambição de ser o primeiro a descobrir um fato de relevância, é um dos males que assolam o jornalismo. Não faz muito tempo, tivemos o caso da brasileira grávida atacada por neonazis na Suíça. Não estava grávida nem fora atacada. Mutilara a si mesma para obter vantagens do governo suíço. A “barriga” – não da moça – mas do jornalismo, foi obra de Ricardo Noblat. A Suíça foi caluniada nos jornais de todo mundo, como país que acolhe e tolera neonazistas, e o Noblat continua escrevendo como se nada tivesse escrito sobre a farsa. Desta vez, foi Janio de Freitas. Na edição de ontem da Folha de São Paulo, revelou, com manchete sensacionalista:

AL QAEDA NO BRASIL

ESTÁ PRESO no Brasil, sob sigilo rigoroso, um integrante da alta hierarquia da Al Qaeda. A prisão foi feita pela Polícia Federal em São Paulo, onde o terrorista estava fixado e em operações de âmbito internacional. Não consta, porém, que desenvolvesse alguma atividade relacionada a ações de terror no Brasil. A importância do preso se revela no grau de sua responsabilidade operacional: o setor de comunicações internacionais da Al Qaeda.


Já estava demorando. Finalmente! Nós também temos Al Qaeda. Sem citar fonte alguma, o jornalista inclusive deduz que o “terrorista” pertence à alta hierarquia da organização. Que, a meu ver, virou franquia. Qualquer atentado, se atribuído à Al Qaeda, adquire maiores dimensões. Quanto à Al Qaeda, esta não tem preocupação alguma em desmentir “sua” autoria. Toda notícia, mesmo falsa, só serve para prestigiá-la. Da mesma forma, a ninguém interessa noticiar a morte de Osama Bin Laden. Difícil acreditar que a maior potência do planeta, com todos seus recursos de espionagem, não tenha ainda encontrado um bandoleiro - que depende de diálise, pelo que se sabe - em fuga pelo deserto. Vivo, Bin Laden rende tanto aos americanos, que assim têm como justificar a base de Guantánamo e torturas, como aos muçulmanos, que mantém uma ameaça constante e letal sobre o Ocidente.

Nenhum jornal nacional assumiu o “furo” de Janio de Freitas. Nem mesmo o seu. Na edição de hoje, a Folha desvia o foco da notícia:

PF INVESTIGA ESTRANGEIRO POR RACISMO NA INTERNET

A Polícia Federal manteve preso por 21 dias o libanês K, comerciante de equipamentos de informática que mora em São Paulo, sob suspeita de que ele propagava na internet material com conteúdo racista.
Na edição de ontem da Folha, o colunista Janio de Freitas informou que um integrante da alta hierarquia da Al Qaeda tinha sido preso no Brasil.


O jornal menciona o colunista, mas logo dá uma nova versão da prisão. Trata-se em verdade de um libanês, que goza da condição "estrangeiro permanente" no Brasil e foi investigado por participação em um fórum na Internet. Segundo o desembargador do TRF (Tribunal Regional Federal) Baptista Pereira “o paciente está sendo investigado pela Polícia Federal, na denominada Operação Imperador, originada de interceptações telefônicas, com a finalidade de investigar a existência de suposta organização denominada "Jihad Media Battalion", que propagaria material de cunho racista e de intolerância e discriminação religiosa pela rede mundial de computadores, internet, visando à incitação do ódio aos ocidentais e o fomento de ideologia antissemita, colaborando com grupos como Al-Qaeda".

Ao que tudo indica, o Judiciário está assumindo os cacoetes do jornalismo. O desembargador, como qualquer repórter malandro, já fala em “suposta organização”. Triste país este nosso, em que “supostas organizações” constituem motivo para prender um cidadão. Se nem as tais de organizações têm existência comprovada, que se pode dizer de eventuais crimes por elas cometidos?

Segundo a procuradora federal Ana Letícia Absy, as investigações "não comprovaram que o preso em São Paulo é membro da Al Qaeda". Ainda segundo Absy, o libanês foi alvo de um inquérito aberto pela PF com base em informações do FBI, "sobre a existência de um fórum fechado da internet, publicado em língua árabe, com mensagens discriminatórias e antiamericanas".

Segundo a Folha, o Jihad Media Battalion “é uma organização virtual que propaga na internet um islã radical baseado na nostalgia de uma suposta idade de ouro que precisa ser revivida. Os responsáveis defendem a volta do califado que sucedeu Maomé, no qual, segundo eles, prosperava uma sociedade pura e honrosa. Os inimigos a serem combatidos são os EUA, Israel e os governos árabes aliados das grandes potências”. Que mais se pode esperar de uma organização que combate EUA e Israel? O site é amplamente divulgado na rede. Pelo jeito, o Judiciário e a PF, por uma questão de comodidade, estão investigando no Google.

O "suposto" Jihad Media Battalion – uso o adjetivo do desembargador – é acusado de divulgar vídeos com discursos de clérigos radicais e imagens de ataques antiamericanos no Iraque e no Afeganistão. Seria isto alguma novidade no mundo árabe? É o que faz a TV Al Jazeera Enghish, canal internacional da TV árabe com sede em Washington e acordo de parceria com o Grupo Bandeirantes, na Band News. Mais um pouco e os argutos investigadores e jornalistas concluírão que a Al Jazeera é o braço midiático da Al Qaeda.

Digamos que o cidadão K, como vem sendo chamado o misterioso libanês, tenha participado de fóruns fechados em língua árabe, com mensagens discriminatórias e antiamericanas, visando à incitação do ódio aos ocidentais e o fomento de ideologia antissemita. Ora, no universo muçulmano existem milhares – senão milhões – de fóruns antiamericanos, antiocidentais e anti-semitas. Ou alguém pretende que muçulmanos tomem a defesa do Grande Satã, do Ocidente ou de Israel?

Na imprensa nacional, só um antigo bolche que virou cristão novo assumiu a barriga de Janio de Freitas.