¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, maio 06, 2009
 
RÉQUIEM PARA UMA DEUSA


Mais uma vestal é flagrada na farra das passagens aéreas. Desta vez foi o impoluto senador Eduardo Suplicy, aquele mesmo que durante longos meses foi publicamente humilhado por um Don Juan arrabalero, que seduziu sua mulher, usou-a como quis, conseguiu uma prebenda no governo por obra do PT e, ao vê-la derrotada na candidatura à prefeitura de São Paulo, jogou-a ao lixo como um bagaço chupado.

Yo no creo en cuernos, pero que los hay, hay! Os cornos – costumo afirmar - são como os deuses, só existem para os que neles crêem. Mas quem neles creia é o que não falta, como também não falta quem creia em deuses. Charles Fourier, por exemplo, pensador utópico do século XVIII, em sua crítica à família monogâmica, vê a cornificação como conseqüência natural e necessária do casamento. Enumera os 64 tipos de corno que conhece, relação que chegará a 144 em obra posterior, abrangendo, pela ordem do coroamento, desde o corno potencial ao corno póstumo.

Se em um casamento há consenso sobre relações paralelas, o conceito perde o sentido. Aparentemente, este era o caso do casal. Mas a árdega sexóloga, dadas as posições que ambos ocupavam no poder, bem que podia pelo menos esperar o divórcio para cortar tangos com o compadrito argentino. Seja como for, o senador foi cordato e representou com brio aquele papel que Camilo José Cela, em seu Rol de Cornudos, define como corno amansado. Não confundir com o manso. Também atende por catequizado ou convertido. É o que começou carreira esbravejando, mas acabou se acalmando com o andar da carroça. Ao chegar à maturidade, costuma ser encantador.

Ou talvez se tratasse do corno luminoso. Ou fosforescente. É aquele que tem luz própria, como as estrelas e, diferentemente dos astros, nele a cornadura brilha como a auréola dos santos mártires. É espécie decorativa, mas de escassa utilidade pública. Independentemente de tais ornamentos, o senador – apesar de seu raciocínio lento – sempre gozou da fama de homem probo. Pelo menos até hoje, quando a Folha de São Paulo noticia que o probo homem não resistiu às tentações da PLANALTUR e cedeu cota aérea à namorada em viagens pelo país e a Paris, Meca predileta de nossos representantes no Congresso.

Ela era linda, e suponho que ainda seja. Desfilava como uma deusa nas madrugadas de trabalho pelos corredores da Folha de São Paulo. Além de linda, redatora ágil e inteligente, a prova definitiva de que mulher bonita pode também ser competente. Tinha um jeito de andar insólito, era como se caminhasse na ponta dos pés, o que lhe conferia estranho charme. Colírio para nossos olhos cansados nas noites de pescoção, era cultuada em silêncio pelos redatores da noite. Antes de ir adiante, explico o que é pescoção. É a noite de sexta para sábado, quando os jornalistas entram madrugada adentro trabalhando, para adiantar o jornal de domingo.

Quem mereceria seus encantos? – nos perguntávamos. Sua demissão provocou uma cólera surda na redação. Foi despedida após um pescoção, lá pelas quatro da matina. Seu sangue foi sugado até a última gota. A suposição que correu por entre os computadores foi que talvez tivesse resistido às propostas de algum chefete do jornal. Por incompetência não poderia ter sido.

Minha frustração surgiu com seu anunciado namoro com o fosforescente senador. Como podia nossa musa unir-se a um mortal a quem os deuses haviam sido tão avaros? Correu na época a versão de que tudo seria uma jogada política do Supremo Apedeuta, para levantar o moral abalado do senador com a perfídia da percanta paulistana. Mesmo assim sendo, ficava no ar a pergunta: por que teria uma mulher independente de submeter-se a um teatrinho ridículo para preservar a vaidade de um marido humilhado?

O poder não perdoa, corrompe até mesmo os incorruptíveis. Se todos fazem, se sempre se fez – como disse o presidente da República – por que não faria eu? O senador não deve ter visto mal algum em fazer o que faziam tanto o presidente da Câmara, Michel Temer, como os impolutos Pedro Simon e Fernando Gabeira. Nada mais adequado como presente à amada do que alguns dias na Cidade Luz.

Suplicy informou à Folha que "a passagem por Paris fazia parte de uma viagem maior, para a China, feita a convite do governo daquele país. O trecho Paris-Pequim foi pago pelas autoridades chinesas. "Mônica cumpriu atividades relacionadas ao meu trabalho: ajudou na elaboração de documentos, acompanhou minhas entrevistas e tirou as fotos que foram publicadas no meu livro, Eduardo Matarazzo Suplicy - Um Notável Aprendizado - A Busca da Verdade e da Justiça do Boxe ao Senado."

Indagado por que devolveu o dinheiro que bancou a viagem, se Mônica o ajudara no evento oficial na China, ele disse: "É verdade que ela ajudou e ajudou muito. Não precisaria, mas fiz a restituição". Generoso, o senador. Com o dinheiro do contribuinte, é verdade, mas generoso. Sem falar que considera perfeitamente normal que “o meu, o seu, o nosso” sirva para financiar uma ode a seu ego.

Em setembro de 1968, em um exaltado discurso no Congresso, o deputado Márcio Moreira Alves pediu o boicote aos militares, em protesto à repressão de estudantes na Universidade de Brasília. Entre outras coisas, conclamou as mulheres do país a uma greve de sexo, ao melhor estilo de Lisístrata:

“Este boicote pode passar também — sempre falando de mulheres — às moças, àquelas que dançam com os cadetes e namoram os jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje no Brasil, com que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam a Nação. Recusassem em aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das Forças Armadas, falando e agindo em seu nome”.

Seu discurso gerou uma crise que redundou no AI-5. Necessário se torna agir hoje contra aqueles que usam e abusam do dinheiro público para fazer turismo nas prestigiosas capitais da Europa e Estados Unidos com suas piguanchas. Redunde no que redunde. Mulher que namora deputado ou senador deveria ser marcada na testa com ferro em brasa com aquela palavrinha infamante que mulher só gosta de ouvir na cama.

No que a mim diz respeito, a musa da Folha morreu. Requiescat in pace, dona Mônica.