¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 21, 2009
 
SOBRE SUPOSTOS E ASPAS


Você deve ter notado, Aender, que o “suposto” é mais usado nas páginas nacionais e locais. É uma atitude de auto-defesa não só do jornalista como também do jornal. Assim, se alguém escreve sobre “as contas de Maluf no Exterior”, está arriscando a ser processado por calúnia. Prefere então “as supostas contas de Maluf”. O adjetivo é uma prudente salvaguarda para evitar processos por parte de um suspeito ou indiciado em qualquer crime.

Já no noticiário internacional, onde o risco de processo é igual a zero, é recurso utilizado para preservar antigas crenças do redator. Ou para não ferir ideologias mortas e sepultadas. Nos dias em que trabalhei no Estadão, eu li - juro que li -, esta manchete:

SUPOSTOS TERRORISTAS EXPLODEM CARRO-BOMBA NO PERU

Uma ressalva é sempre oportuna. Poderia ocorrer que o carro-bomba tivesse sido montado por uma equipe de carmelitas descalças. Perguntei ao redator: supostos terroristas, companheiro? Ele releu o texto e justificou: força de hábito. Claro que ninguém vai grafar "suposto nazista". Quando se trata de nazistas, não há aspas nem supostos.

O cachimbo entorta a boca. De tanto usar a palavrinha, ela virou cacoete. Hoje, os jornalistas a grafam quase automaticamente. Se um traficante da favela é morto enfrentando a polícia com um AK-47 em punho, provavelmente teremos uma manchete como

POLÍCIA MATA SUPOSTO TRAFICANTE NA FAVELA

Enquanto não for condenado pela justiça como traficante, um traficante armado com um AK-47 será sempre um suposto traficante. Fica entendido, é claro, que um traficante jamais matará um suposto policial. O suposto é mais um dos subterfúgios do politicamente correto. Serve para inocentar, ainda que provisoriamente, os “excluidos”. Outro sinal de tráfego são as aspas. Têm múltiplas funções. Servem geralmente para marcar uma citação. Mas também para deixar clara a posição do editor. Os acontecimentos pós-queda do Muro geraram uma intensa batalha de aspas nas redações.

Certa vez, na Folha de S. Paulo, recebi um despacho que falava dos crimes do comunismo durante o regime dos Ceaucescu, na Romênia. Traduzi o texto, coloquei-o no bom tamanho e dei meu trabalho por feito. Dia seguinte, lá estava a notícia. Mas falava de "crimes" do comunismo. Com crimes entre aspas, para deixar bem claro que a redação não assumia a idéia de que comunistas pudessem cometer crimes.

Trabalhei mais tarde no Estadão. Um belo dia, recebo um telefonema de um colega da Folha:

— Janer, aquela nota sobre a Finlândia, foste tu que a redigiste, não foi?
De fato, fora eu. Mas como é que ele sabia?
— Pelas aspas. No texto se falava em "política de neutralidade", assim entre aspas. Só podiam ser tuas.

Me senti lisonjeado. Já era reconhecido até pelas aspas. Estas, na época, eu as assumia serenamente.