¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, junho 30, 2009
 
AINDA A LEI ANTIFUMO


Olá Janer,

Tudo bem? Se você tiver tempo... indago-lhe algo bem simples: com quais aspectos da Constituição a lei antifumo choca-se?

Entendo que a lei do governador é esdrúxula quando propõe punição ao estabelecimento comercial. Por outro lado, no Brasil não temos mecanismos para punir o cidadão ou a pessoa física. Parece-me que nossos mecanismos de punição estão apenas associados a, por exemplo, um número de CPF, uma licença de automóvel ou uma carteira de habilitação. Ao contrário de outros países, não há multas ou mecanismos para aplicá-las quando um pedestre atravessa fora da faixa, um ciclista não conduz corretamente, alguém inadvertidamente aciona um dispositivo de segurança do metrô, alguém joga uma lata de cerveja na rua ou um fumante insiste em fumar num local público fechado. Mas claro que isso não justifica a lei.

Entendo que qualquer pessoa, em sua privacidade, pode fazer o que bem entender com seu corpo, desde que não solicite recursos públicos para reparar o estrago. Fica claro que a grande chiadeira se deve ao aspecto financeiro da lei. Ninguém esperneia por já haverem proibições de fumo em repartições públicas, estabelecimentos de ensino, hospitais (!), cinemas e transportes coletivos.

Embora os números indiquem que menos de um quarto da população é de fumantes, a maior parte dos freqüentadores de restaurantes, e especialmente de bares, é de fumantes. (Por que será que isso acontece? Os fumantes são mais extrovertidos ou descolados?) Banir os fumantes dos bares certamente implicaria num baque econômico muito maior para os bares que nossa já "finada" lei seca.

Pessoalmente, deixei de freqüentar algumas casas em São Paulo porque, apesar de existirem locais para não-fumantes, tais locais invariavelmente sempre eram os piores da casa. Lembro-me de uma pizzaria (cuja pizza era deveras saborosa) na qual as poucas mesas do espaço para não-fumantes eram nas cercanias dos banheiros.

Mas entendo que uma casa que trabalha assim não quer fumantes como clientes. Agora pergunto-lhe o seguinte, Janer: um bar que espontaneamente não aceita fumantes (ou, mais eufemisticamente, não dispõe de mesas para fumantes) está ferindo a Constituição?

Talvez o remédio para tudo isso seja um pouco de civilização: passei por um episódio inesquecível há poucos anos em Milão. Os italianos, e especialmente os milaneses, não são conhecidos pela sua boa educação. Eu estava em dupla desvantagem, com meu fenótipo do mediterrâneo e sotaque de imigrante. Ainda assim, num restaurante lotado e com várias pessoas fumando, um casal adorável sentou-se à mesa ao lado da minha e, com uma educação ímpar, o rapaz perguntou-me se eles podiam acender cigarros. Apesar da minha aversão ao fumo em si, não resisti à finesse, e consenti...

Abraços,

Alex



Meu caro Alex,

é um princípio de Direito: lei menor não revoga lei maior. Se a legislação federal não só permite como obriga a existência de fumódromos, como pode um Estado da Federação proibi-los? Isso sem falar no aspecto que você considera esdrúxulo, a punição ao estabelecimento comercial. Como punir alguém por ato que um outro comete? E se é impossível punir todos que fumam, então não é possível proibir por lei que todos fumem. Não há crime ou contravenção sem sanção. Se a sanção é impossível, de nada adianta definir algo como crime ou contravenção.

Essa lei vai cair. Sem falar que o Serra é um safado. Em sua campanha para presidente, em Santa Cruz do Sul, cidade gaúcha cuja economia depende do tabaco, prometeu incentivos à indústria fumageira. Como São Paulo não tem uma indústria tabagista e agora o que parece render mais votos é proibir o fumo, ele proíbe. Querem acabar com o fumo em bares? Que criem então leis federais. Se for considerado constitucional o projeto do Serra, então qualquer Estado pode liberar a maconha.

Que se proíba o fumo em repartições públicas, estabelecimentos de ensino, hospitais, cinemas e transportes coletivos, de acordo. Nelas a União não impõe a existência de fumódromos. Cinema à parte, nesses locais não vamos de moto próprio e muito menos por lazer. Que um bar espontaneamente não aceite fumantes, também se entende. Neste bar aqui não se fuma. Você quer fumar, vá a outro. Não há lei que proíba não aceitar fumantes. O que a lei proíbe é que, em bares onde se fuma, não haja local separado para fumantes e não-fumantes. Um Estado, repito, não pode proibir o que a União permite.

Como você sabe, nunca fumei. Meus amigos e amigas, de modo geral, não fumam. Mas sempre tenho cinzeiros em casa para quem fuma. Em um bar, em princípio, procuro a ala dos não-fumantes. Mas se estiver com uma amiga que fuma, a prioridade é dela. Seria ótimo que as pessoas não fumassem. Daí a um político ambicioso pretender impor uma lei absurda vai uma longa distância.

Last but not least, o crack está liberado nas ruas de São Paulo. Isto, Serra não vê. Quanto ao aspecto constitucional, eu o remeto à mensagem abaixo, do Piaia.