¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 29, 2009
 
BÊBADO É QUEM
NÃO SABE BEBER



“Agora fiquei curioso, beber bebida alcoólica e não ficar bêbado? – me pergunta um leitor – “Acho que não tem como. Tem? Como?”

Ah, meu caro! Exige um aprendizado. E prática constante. Meu pequeno círculo de amigos bebe com entusiasmo e ninguém fica bêbado. Aliás, detesto bêbados. Jamais aceitaria um em minha mesa.

Fora algumas pessoas que não têm tolerância alguma ao álcool – e eu as conheço –, só se embriaga quem não sabe beber. Vi isto na Suécia, nos anos 70. O álcool era proibido nos bares. Só se bebia em restaurantes. Só com comida e a partir do meio-dia. Se você estava comendo uma pizza às 11h30 e pedia uma taça de vinho, nada feito. Só às 12h em ponto e a preços de tornar qualquer cristão sóbrio. Em supermercado, nem pensar. O máximo que alguém podia comprar era a mellanöl, uma cervejinha com pouco mais de 1% de teor alcoólico. E isso se provasse ser maior de 18 anos. Álcool mesmo, só era vendido nos systembollag, lojas estatais que abriam às oito da manhã e fechavam às seis da tarde. Aos sábados, fechavam ao meio-dia. Fins de semana, álcool só no câmbio negro. Estocolmo foi a cidade em que vi mais bêbados em minha vida. Nos fins de semana, jovens cambaleando nas ruas, um cheiro ácido de vômito nos vagões do metrô. Na Noruega, quando passei por lá, nas lojas estatais só podia comprar álcool quem provasse ter mais de 25 anos.

Por outro lado, nas tascas de Madri ou Lisboa, e mesmo em Paris, vi gente bebendo o dia todo e bêbado nenhum nas ruas. Devem existir, é óbvio. Mas não é fenômeno visível. Certo, em Paris havia os clochards, mas ser clochard é uma opção de vida. Digo havia, porque não lembro de ter visto clochards em minhas últimas passagens por lá.

Anos mais tarde, voltei à Suécia. A bebida havia sido liberada, pelo menos nos bares. Milhares de novos bares por todos os lados, gente bebendo alegremente nas terrasses e, aparentemente, bêbado nenhum nas ruas ou metrôs. O Kungsträdgården - Jardim do Rei, em língua de gente - era uma praça que tinha um só boteco em meus dias de Estocolmo. E com todas as restrições supra. Hoje, está repleta de bares e restaurantes, com gente bebendo à vontade. Com a liberação da bebida alcoólica, os suecos parecem ter aprendido a beber.

Beber sem embriagar-se tem seus riscos, há quem acabe passando da dose saudavelmente permissível. É uma aposta. Se ganhar, ganhou. Se não ganhar, será um desastre. Já vi muita gente morrendo devido ao álcool nas minhas cercanias. Junto a mim, ninguém.

O que não admitimos, nós que bebemos, é essa recomendação médica de beber apenas uma ou duas taças de vinho por dia. Com duas taças estamos longe de sentir o vinho. As palavras sequer começaram a fluir. Tenho uma boa amiga que, após meia garrafa de vinho, começa a falar grego. Depois de uma garrafa, eu até a entendo.

Beber é inerente ao jornalismo. Em meus dias de Caldas Júnior, em Porto Alegre, tive um colega admirável, o Carlos Raphael Guimaraens. Bom de copo, pessoa de cultura extraordinária, era uma enciclopédia ambulante. Quando a Caldas foi comprada por um certo Dr. Ribeiro, que de Dr. não tinha nada, correu um boato nos corredores, de que BBCs não mais seriam admitidos na empresa. Por BBC Dr. Ribeiro entendia bichas, bêbados e comunistas. O Guima foi objetivo:

- Dr. Ribeiro! Dá pra se fazer um jornal sem bicha. Também dá pra se fazer um jornal sem comunistas. Mas sem bêbado não se faz jornal.

Não que fosse bêbado. Apenas assumiu a terminologia do "Dr" Ribeiro. Era homem que bebia e certamente o mais brilhante articulista da Caldas. (O único brilhante, eu diria). Certo dia, parou subitamente de beber. Apreensão entre nós, seus amigos. O Guima deve estar doente. Estava mesmo. Morreu pouco tempo depois. Nada de cirrose, mas problemas cardíacos.

Certa vez, um médico teve o atrevimento de dizer-me: “o permissível por dia é meio copo de cerveja”. Ora, doutor, meio copo de cerveja não existe. Que não se confunda quem bebe com bêbado. Bêbado é quem não sabe beber.