¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, junho 19, 2009
 
UNIVERSIDADES (III)


Na Suécia, no Kursverksamheten da Universidade de Estocolmo, aprendi sueco. Foi aprendizado útil, que me levou a dominar mais um idioma e a conhecer um outro universo. Lá, me descobri como alguém que podia escrever e traduzir e conheci gentes de outros povos. Foi boa universidade, pelo menos em parte. Durante meio ano, freqüentei o curso de cinema da universidade, arte que me seduzia na época. Logo descobri que era curso puramente teórico e sairia de lá sem saber como abrir uma lata de negativos. Esta foi a universidade inútil.

Outra, também inútil, foi a Sorbonne Nouvelle. Em 77, recebi do governo francês uma bolsa para mestrado em Letras Francesas e Comparadas. Letras Francesas eu conhecia bem. Já das Comparadas, jamais ouvira falar. Tudo bem, lá em Paris me informo sobre o assunto. Ocorre que eu não tinha pretensão alguma a seguir estudos teóricos de Letras. Queria, isto sim, curtir suas ruelas, vinhos, queijos, catedrais, mulheres, e com estas intenções viajei. Lá, transformei o mestrado em doutorado. Se a condição para curtir as ruelas, vinhos, queijos, catedrais e mulheres de Paris era defender uma tese, defendamo-la. Fiz apenas quatro seminários, de quatro horas cada um. Ou seja, durante quatro anos, tive dezesseis horas de aula. Quatro destas horas foram fundamentais. Ministradas por Mme. Fraisse, versavam sobre os escritores e o comunismo, de 1930 a 1953. Com a bibliografia fornecida por Mme. Fraisse, entendi melhor o século, a Europa e mesmo o Brasil. Aquelas quatro horas compensaram os quatro anos.

Conclui minha tese, um ensaio sobre Ernesto Sábato e Albert Camus, que esclarece, sem masturbações teóricas, o itinerário espiritual dos dois escritores. Mas o grande aprendizado não foi este. E sim o convívio diário com a cultura francesa, com seus jornais e literatura, com sua arquitetura e história, com os franceses e particularmente com as francesas. Minha tese foi apenas uma hora de aula de um curso muito maior. Importante também foi o contato com gentes de diferentes culturas. Conheci muito do mundo eslavo e mais ainda da América Latina. Aqui no Brasil, não encontramos a América Latina. O continente se reúne em Paris.

Em Madri, fiz curso no ICI, Instituto Cultural Iberoamericano, ligado à Universidade Complutense. Seis meses jogados fora. Tínhamos uma carga horária pesada, cinco horas de aula por dia, e a obrigação de redigir uma tese ao final do semestre. As teses, com apresentação, réplica e tréplica, eram defendidas em no máximo dez minutos. Ou seja, era uma farsa. Como nunca gostei de teatro, me recusei à farsa. Fui o único aluno, em trinta anos de curso, a não apresentar a tal de “tese”. Escrevi carta aos diretores do curso, onde dizia mais ou menos o seguinte:

- Senhores, quando vamos estudar no exterior, defendemos duas teses. Uma é aquela acadêmica, que nem mesmo a banca lê em sua íntegra, e que fica pegando poeira no silêncio das bibliotecas. Outra é a que defendemos no convívio com colegas, nos bares e restaurantes de Madri, nos vilarejos e cidades da Espanha. Na leitura diária dos jornais do país, no contato com seu povo, com sua gastronomia, sua música e seus vinhos. A primeira tese, me recuso a defendê-la, por inútil. A segunda, eu a defendi com brio nas bodegas de Madri, Barcelona, Santiago, Toledo, Segovia, Ávila, Cuenca, Ronda, Salamanca. Esta segunda tese será importante para meu trabalho e vida futura. Ao ICI, muchas gracias. Y buena salud a Ustedes y todos sus familiares.

A última frase não é gratuita. Quando morei em Madri, constava do formulário de pedido de permanência à polícia. Soube mais tarde que, depois de minha carta, os diretores do curso reformularam a exigência da malsinada tesina.

Resumindo: as universidades que fiz em Estocolmo, Paris e Madri foram importantes, não só para minha vida, como para minha profissão. Mas foram cursos que as cidades – não as universidades – ofereceram. De um jornalista, a quem se pede informações sobre o mundo, é absurdo exigir horas de traseiro preso a um banco.