¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, julho 20, 2009
 
BRASIL DESCONHECE VESPASIANO


Nada mais deprimente que ver, em pleno século XXI, uma cidade multando seus habitantes por urinarem na rua. É admissão total de ausência de civilidade e organização urbana. É o caso do Rio de Janeiro, candidata a sede dos jogos finais da Copa do Mundo de 2014. O problema foi resolvido há apenas... dois mil anos.

Suponho que meus leitores, em sua maioria, um dia estiveram no Coliseu, em Roma. Se não estiveram, sabem do que se trata. Também conhecido – mas não muito – como Anfiteatro Flaviano, é a obra máxima de Titus Flavius Vespasianus, imperador romano que viveu entre 9 e 79 d.C. Deve seu nome à palavra Colosseum, devido à estátua colossal de Nero, que ficava perto a edificação. Fica no no centro de Roma, pode abrigar 50 mil pessoas que podiam, dada sua arquitetura, esvaziá-lo em 15 minutos. Não sei se um estádio moderno consegue isto em nossos dias.

Mas não é esse, penso, o maior legado do imperador romano à humanidade. E sim as chamadas vespasianas, mictórios públicos ornados com mármores, pelo menos nos dias da Roma antiga. A França só os assumiu em 1834, com o nome de vespasiennes, em homenagem ao imperador. Eram mictórios mais ou menos a descoberto – e gratuitos – que serviam para ocultar dos transeuntes pelo menos o ato da micção. Foram substituídas nos anos 80 pelas chamadas sanisettes, cubículos mais fechados aos quais se tem acesso mediante a introdução de uma moeda, suponho que hoje de um euro.

Se as vespasiennes só serviam ao uso destes seres que urinam em pé, as sanisettes servem também às mulheres. E – diga-se de passagem – a prostitutas e travestis que precisam de um lugar prático e discreto para o exercício de seus ofícios. Que se vai fazer?

Vinte séculos depois, o Rio ainda não descobriu as vespasiennes e quer aplicar multa ao xixi na rua. Hoje, a multa é de R$ 80, mas apenas 30 pessoas foram pegas em flagrante neste ano, todas no Carnaval e em dias de jogos no Maracanã. A Prefeitura quer punição maior para quem for flagrado urinando nas calçadas. A nova legislação vai prever a conduta específica -"urinar em lugar público"- e o valor da multa será maior. "Não definimos o valor, mas tem que ser algo que doa no bolso", diz o secretário municipal da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem.

Nobre propósito. Mas como cobrar 80 ou mais reais de um pobre diabo que não tem um vintém no bolso? Ora, são exatamente estes os que mais usam as calçadas – e não só para urinar – para aliviar-se. Há mictórios públicos no Brasil. Mas são raros, distantes de quem os necessita e deprimentes. Em geral, constituem um atentado ao olfato e à higiene. Quando não aos ditos bons costumes.

Vespasiano resolveu o problema há vinte séculos. O Brasil ainda não chegou lá.