¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 25, 2009
 
INSTITUTO MILLENIUM,
O MAIS NOVO BASTIÃO
DO OBSCURANTISMO



Há alguns anos, já nem lembro quando, fui convidado a escrever em um jornal eletrônico, o Mídia Sem Máscara, que pretendia denunciar as mentiras da grande imprensa. É comigo mesmo, pensei, afinal isso eu vinha fazendo há muito tempo, vide meu ensaio Como Ler Jornais. Colaborei com entusiasmo no novo site e disto não me arrependo. Com o decorrer do tempo, descobri que fora convidado por minha posição radicalmente anticomunista.

Ocorre que não me manifesto apenas contra a opressão comunista. Sou contra todas as opressões. E se o comunismo teve existência relativamente curta – a rigor, apenas sete décadas – há uma outra opressão milenar, que até hoje ainda vige e tem prestígio, a opressão da Igreja Católica. Milenar é modo de dizer, em verdade tem dois milênios. Bastaram algum artigos denunciando a ditadura vaticana e comecei a provocar mal-estar no Mídia Sem Máscara. Certo dia, escrevi um artigo mostrando por A + B que Cristo havia nascido não em Belém, mas em Nazaré. Artigo inocente, afinal o local de nascimento do judeu não constitui dogma para os católicos. Meu artigo foi censurado. Mandei um recado ao editor: não admito censura. Ou meu artigo é publicado, ou não colaboro mais com o jornal.

Não foi publicado, deixei de colaborar. Soube mais tarde que a razão da censura não fora precisamente aquele artigo, mas um outro anterior, em que eu discutia o transcendental problema teológico dos destinos do prepúcio do Salvador. Judeu sendo, havia sido circuncidado. Se subiu aos céus em sua integridade, persistia uma pergunta: e seu prepúcio? Teria ficado na Terra? O enigma preocupou teólogos durante séculos na Idade Média, que acabaram concluindo não ser anátema afirmar que o prepúcio não teria subido aos céus, tanto que várias igrejas na Itália pretendem tê-lo em seus relicários. Cá entre nós, é pouco prepúcio para tantos templos.

Em suma: ao que tudo indica, foi esta discussão que gerou minha censura no jornal do astrólogo-editor. Junto comigo, abandonaram o barco outros colaboradores de talento, e o Mídia Sem Máscara se revelou um porta-voz ridículo de papistas fanáticos, muitas vezes mais papistas que o papa. Hoje, investe contra dois fantasmas, o Foro de São Paulo - uma espécie de Woodstock das esquerdas que já morreu à míngua após a derrocada da União Soviética – e a ameaça de uma ditadura gay universal. É o que eu chamaria de a Quinta Internacional, la Internacional del Culo. Só que não existe. O que existe são pessoas reivindicando usufruir dos prazeres que bem entendem, afinal ninguém tem nada a ver com a sexualidade de outrem. A Inquisição terminou há bons séculos. Exceto para os Aiatolavos de Carvalho e Júlios Severos da vida. A militância anti-homossexual de ambos é tal, que imagino que um bafinho na nuca lhes seria salutar.

Com a ausência de redatores independentes, o Mídia Sem Máscara tornou-se, infelizmente, um jornal monocórdio, tipo aqueles jornais de esquerda dos anos 70. Neles não havia novidade alguma, constituíam sempre um sambinha de uma nota só. O leitor não tinha surpresa alguma, sabia antecipadamente o que iria ler. Mas não é disto que quero falar. Recebi há pouco esta gentil missiva:

Prezado Sr. Janer,

sou coordenadora de redes do Instituto Millenium de Pesquisa , que talvez o senhor já conheça, e gostaria de lhe convidar a fazer parte da rede de especialistas que compõem o nosso quadro e colaboram conosco na missão de promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, porque acreditamos que estes valores podem gerar mais prosperidade e desenvolvimento humano para o Brasil.

Para divulgar estes valores, temos uma presença constante na mídia e no debate público. Por esta razão, é tão importante que tenhamos uma ampla rede de especialistas, atuando em variadas áreas, que escrevem artigos, dão entrevistas, participam de eventos e dos diversos programas realizados pelos veículos de comunicação. Acompanhamos os seus artigos na web e temos ciência de que o senhor trata de assuntos muito caros para nós. Seria uma honra tê-lo em nosso quadro.

O que o senhor acha?

Atenciosamente,

Anita Lucchesi
Coordenadora de Redes
Instituto Millenium


O que eu achava? Achei a idéia interessante. Gosto de tribunas. Mas fiquei com um pé atrás. Quando me falam em “promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, porque acreditamos que estes valores podem gerar mais prosperidade e desenvolvimento humano para o Brasil”, fico desconfiado. Estou cansado de bons propósitos. Consultei um amigo que tinha conhecimento do Instituto. Me informou ser o Millenium mantido pelo Armínio Fraga e pelo Gustavo Franco. “A idéia seria formar o que se chama de um think tank de pensamento liberal, anti-esquerdista ou anti-socialista, estas coisas. São mais liberais e (bem) menos conservadores que o MSM”.

Bom, vá lá. Enviei meus dados e curriculum ao Millenium. Com uma ressalva: não aceito censura a nenhum artigo que pretender publicar no site Millenium. Se houver hipótese de censura, considere-me excluído do Instituto. Resposta de Anita Lucchesi, minha interlocutora:

Caro Sr. Janer,

consultei a nossa editora, Cristina Camargo, para que pudesse lhe informar sobre nossa linha editorial, com mais certeza, pois é ela que cuida da publicação dos artigos.

Envio-lhe, portanto, a linha editorial do Millenium:
Não publicamos artigos que contenham defesa ou condenação dos seguintes assuntos:

- Aborto
- Pena de morte
- Células-tronco embrionárias
- Eutanásia
- Suicídio
- Legalização das drogas
- Homossexualismo
- Adoção de crianças por casais homossexuais


Minha resposta a Anita Lucchesi:

Desolé, Anita!

O Millenium não me serve. Não entendo como uma instituição que pretende promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, não aceite discutir assuntos como aborto, pena de morte, células-tronco embrionárias, eutanásia, suicídio, legalização das drogas, homossexualismo, adoção de crianças por casais homossexuais.

Os propósitos desta instituição são uma farsa. Considere-me excluído dessa arapuca. Suponho que sirva para promover nomes que permanecem ocultos, tipo Armínio Fraga e Gustavo Franco. Não conte comigo para isso.

Obrigado pelo convite.


Surge mais um embuste no jornalismo eletrônico. Pelo jeito é o MSM do B. Se o MSM pelo menos discute tais questões, o tal de Instituto Millenium as veta de cara. São mais papistas ainda que os papistas do MSM. O MSM conseguiu enganar por algum tempo. O Millenium não engana desde já. É mais um reduto de carolas, que acham que ser contra as esquerdas é suficiente sinônimo de honestidade.

Não é. A Santa Inquisição era mais liberal. Embora mandasse homossexuais para a fogueira, pelo menos aceitava discutir a questão. O Instituto Millenium é o mais novo bastião do obscurantismo que tenta fazer carreira no jornalismo eletrônico. Não irá longe. Está desmascarado desde o berço. Começa desmoralizado.

R.I.P.