¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, julho 27, 2009
 
OS ZUMBIS DA GUAIANASES


Enquanto José Serra, candidato enrustido à Presidência da República, tenta lançar seu nome através de uma legislação antifumo demagógica e pior – inconstitucional -, a droga corre solta nas ruas de São Paulo. A poucos minutos de táxi daqui de casa, na região da estação da Luz, há um vasto território onde o consumo de toda e qualquer droga é livre. Como a droga mais consumida é o crack, convencionou-se chamar aquele espaço de Cracolândia. Mas lá você encontra o que quiser, desde a canabis até a cocaína.

Não imagine o leitor que este comércio é operado na clandestinidade. Nada disso. Ocorre à luz do dia, em plena rua, na frente de viaturas de policiais. Não gosto muito da palavra dantesco, me parece um lugar comum, mas é a única que encontro para definir o local. Dante ilustrado por Doré. Certo dia, passei de táxi por uma extremidade da rua Guaianases, a que mais concentra drogados. Dantesco e assustador. Centenas de zumbis, crianças e adultos, homens e mulheres, enrolados em cobertores e capuzes, cachimbando crack, coalhavam a rua. Nenhum taxista ousa entrar no pedaço. Tudo isto no centro da mais imponente capital do continente.

A Prefeitura quer revitalizar a Cracolândia. Para isso, está tocando um projeto que chamou de Nova Luz. Uma vasta área está sendo desapropriada e será demolida para dar lugar a um centro administrativo. O que me parece uma ótica de cegos. Centros administrativos se tornam desertos depois das seis da tarde. Mesmo que os marginais sejam afastados durante o dia, todos voltarão à noite a seu habitat. Todas as semanas, os jornais nos trazem fotos de pobres coitados fumando crack. Alguns permanecem dias deitados, já nem conseguem parar em pé. Só a polícia, que tem um distrito policial justo na Cracolândia, parece não ver nada.

Ou melhor, vê. Só sendo cego e surdo para não ver. Vê mas não faz nada. Considera-se que o problema é social, não policial. Às vezes, para mostrar serviço, esvaziam as ruas do crack por algumas horas. Apenas por algumas horas. Ninguém é preso, nem usuários nem traficantes. Em pouco tempo, no mesmo dia, os zumbis estão de volta à Guaianases.

Em recente reportagem da Agência Brasil, o psicólogo Lucas Carvalho afirmava que a Cracolândia, em vez de sumir, “está se fragmentando em diversos pontos da cidade". Se você passar pelo centro da cidade, em torno à praça da República, verá farrapos humanos amontoados na rua, sempre em grupo e sempre enrolados em cobertores, puxando crack à luz do dia, com a tranqüilidade dos justos. A polícia nada faz, afinal o “problema é social”. A polícia será chamada, promete Serra, para retirar fumantes de restaurantes.

A fragmentação da Cracolândia, segundo Carvalho, está facilitando o acesso das crianças à droga. "O crack está chegando mais perto delas, antes precisava ir até a Cracolândia. Agora, a Cracolândia está por aí", afirmou. A única providência até agora tomada por ONGs que querem resolver o problema foi fornecer um cachimbo de madeira aos usuários de crack, com o objetivo de incentivar o não compartilhamento do instrumento. Isso porque os viciados constroem modelos artesanais de metal, que queimam a boca, causando feridas, e podem transmitir doenças quando compartilhado com outras pessoas.

Semana passada - leio nos jornais - vinte órgãos públicos e mais de 250 policiais não foram suficientes para acabar com a cena que se vê há 20 anos na Cracolândia. Seis horas após o início de nova operação destinada a revitalizar uma das áreas mais degradadas da capital, centenas de viciados voltaram às ruas, com cachimbos em mãos e cobertas nas costas, nos pontos tradicionais de consumo da droga.

Em vez de atacar o problema com o rigor devido, autoridades fornecem cachimbos aos pobres diabos para que se droguem sem maiores problemas. Enquanto isso, semana que vem, começam os Blitze contra os fumantes nos restaurantes.

Last but not least: ao lado da Cracolândia, está a Santa Ifigênia, vasto mercado de contrabando de eletrônicos e produtos piratas. A dez metros de um distrito policial, a muamba está exposta nas calçadas. Lá de vez em quando a Receita Federal dá uma batida, recolhe dez ou vinte caminhões de contrabando. A medida não faz nem mossa. Dia seguinte, as ruas estão reabastecidas de mercadorias, como se nada tivesse acontecido.

Ama com fé e orgulho, a terra em que nasceste. Criança! Não verás nenhum país como este.

Não verás mesmo.