¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 19, 2009
 
QUAL A MELHOR IDADE
PARA PARAR DE ESTUDAR?



Verba volant, scripta manent, diziam os romanos. As palavras voam, a escrita fica. Pelo menos assim foi traduzido o antigo brocardo até bem pouco tempo. Nestes dias de Internet, surge uma nova interpretação. Que a escrita, sim, permanece. Mas imóvel. E que as palavras voam, isto é, vão mais longe. Texto eletrônico é escrita ou palavra? É tanto escrita que fica como palavra que voa, diria eu. Minhas crônicas dos dias de jornal em papel sumiram no tempo. Estarão guardadas em arquivos de jornais ou bibliotecas, algumas em arquivos pessoais de alguns leitores.

Já as crônicas eletrônicas, estas, além de voar, permanecem vivas na rede. Um leitor está pesquisando uma palavra e de repente cai numa delas. Assim, é com prazer que recebo retorno de crônicas que escrevi há cinco ou mais anos. Há alguns anos, comentei a ridícula condição dos mestrandos carecas. Dizia que mestrado é para jovens, não para cinqüentões. Um magoado leitor me escreve:

Caro professor Janer:

Não gostei da parte que fala que as pessoas mais velhas não devem obter títulos. Tenho 47 anos e estou fazendo a minha primeira pós na área de educação. Estou adorando filosofia e pretendo estudar muito mais ainda e a sua coluna veio como um balde de água fria. Eu não concordo com os seus dizeres. O estudo pode vir em qualquer idade. Pedro Nava só começou a escrever muito tarde e foi um grande memorialista. Já pensou se ele pensasse como o Sr?


Vamos por partes. Estou com 62 e me sinto eterno estudante. Meu doutorado, eu o concluí aos 33. Foi uma fase de minha vida. Uma vez titulado, fui lecionar. Tive de ler bibliografias obrigatórias que, de meu grado, jamais escolheria ler. Mesmo nos dias de formação universitária, tive de estudar o que não queria estudar. O currículo obriga. Em Filosofia, se me deliciei com Platão e Sócrates, tive mais a frente de enfrentar os textos áridos de Kant e Hegel e a parlapatagem de vigaristas intelectuais como Sartre, Heidegger e Husserl. Ler obras como O Ser e o Tempo ou O Ser e o Nada – perdoem-me os adictos – nada mais é do que pura perda de tempo.

Para estudar nunca é tarde, meu caro. Não tive tempo de ler o que queria ler nos dias de Direito ou Filosofia. Passei cinco longos anos lendo tratados jurídicos. Fiz meu curso em Santa Maria. Ao concluí-lo, quando voltava a Porto Alegre, sobre a ponte do Guaíba, simbolicamente joguei ao rio os Washingtons de Barros Monteiros e Clóvis Beviláquas da vida pela janela do ônibus.

Doutorei-me em Letras Francesas e Comparadas, em Paris. Como pesquisei sobre dois escritores dos quais gostava, não fui forçado a leituras compulsórias. Mas quando fui lecionar na Universidade Federal de Santa Catarina, fui contratado para lecionar literatura brasileira. De novo as leituras forçadas. Lecionava modernismo. Tive de ler autores que não recomendo ninguém a ler: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e outros que tais. Pior ainda, tive de forçar minhas alunas a lerem tais elefantes brancos. Mas pior mesmo, tive de ler teóricos literários, para acompanhar as teses de meus mestrandos. Teoria literária é uma das mais sofisticadas técnicas de masturbação intelectual que a universidade conseguiu criar.

Hoje, liberto das obrigações de universitário ou professor, leio apenas o que me agrada ler, e isso é ótimo. Virei estudante. Mas estudante sem professor nem orientador. Leio para onde os ventos me levam. Me dedico atualmente a algo que me fascina, o estudo de História e da História das Religiões. Eram leituras para as quais não tinha muito tempo nos dias de universidade. Por outro lado, os ensaios que têm me fascinado raramente são traduzidos no Brasil. Tenho de viajar para encontrá-los. Sem falar que muitos não existiam na época. Ultimamente, se alguém me encontrar em um bar, provavelmente me verá mergulhado no Dictionnarie critique de théologie, obrinha de 1588 páginas, coordenada por Jean-Yves Lacoste. Me diverte imensamente, muito mais que Asterix.

Qual a melhor idade para parar de estudar? Não há idade para parar de estudar, caro leitor. Uma das coisas que lamento é saber que morrerei sem ter lido todos os livros que me esperam na cabeceira. Mas para fazer mestrado ou doutorado há uma idade adequada. Isso de mestrandos ou doutorandos carecas, costumo afirmar, é coisa de Brasil. Tem gente se doutorando para logo depois aposentar-se. Isto é, o doutorado não foi de utilidade alguma ao magistério. Só serve então para aumentar o salário ou satisfazer vaidades senis.

Você cita Pedro Nava, um dos bons memorialistas nacionais. Ora, ele não fez doutorado algum para desenvolver sua obra. Era médico e encontrou seu caminho na literatura. Hélio Silva, um dos grandes historiadores do país, autor de vasta obra, era proctologista. Por enquanto, pelo menos por enquanto, não se exige diploma específico para escrever.

Continue estudando, meu caro. Nada o impede. Mais ainda: se você estudar por conta própria, não será obrigado a engolir leituras estéreis impostas por estéreis orientadores.

Era Stephan Zweig que dizia, ou talvez Thomas Mann, agora não lembro: “por que ler livros bons, quando podemos ler os melhores?”