¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quinta-feira, julho 23, 2009
 
RESPOSTA AO FELIPE


Bom, Felipe,

pra começar, devo dizer que não vejo a matemática como ciência. E sim como sistema axiomático. Por outro lado, grandes matemáticos, pelo que sei, nunca fizeram doutorado. De Pitágoras, Tales, Euclides e Aristóteles a Gassendi, Gauss, Euler, Fermat, Pascal ou Descartes, não vejo doutorado algum. Doutorado é vício da universidade contemporânea.

Por outro lado ainda, não vou dizer que os pensadores que você cita sejam medíocres só porque acreditam em Deus. Aquino, por exemplo, era um intelecto poderoso. Mas leia a Suma. Quanta bobagem! Quanto esforço intelectual despendido rumo ao nada. Quando não ao ridículo. A que distância um anjo deve estar do outro para que quando um fale o outro ouça? Acho que o intento do Aquinata, de sistematizar o saber teológico de sua época, mostrou a atroz fragilidade conceitual do cristianismo. A meu ver, o Boi Mudo fez gol contra. Prefiro a literatura confessional do Agostinho, mas nem por isso endosso suas crenças. Para o bispo de Hipona, sentir atração física pelo cônjuge é algo equivalente ao adultério. Lá está, em De Nuptiis et Concupiscencia:

Se os dois cônjuges a isso se entregam (ao prazer na união sexual), não merecem o nome de esposos; e se, desde o início, assim se buscaram, não é para casamento que se uniram, mas para entregarem-se à fornicação. Ouso dizer: ou aquela que assim procede é, de uma certa maneira, a prostituta de seu marido, ou este é o adúltero de sua mulher.

Pergunta que se impõe: para que serve tanta sabedoria?

Borges via a teologia como a primeira manifestação da literatura fantástica. É uma brilhante percepção. De minha parte, eu a vejo como algo semelhante à geometria. Não por acaso, Euler e Pascal foram também teólogos. O triângulo é um ente de razão, é algo que de fato não existe. Mas se você me dá a medida dos catetos, eu lhe devolvo a hipotenusa. Parte-se do princípio de que existe um ser eterno, todo-poderoso, onisciente, onipresente. Daí a construir uma teologia é um passo. Teologias são castelos na areia. Têm como alicerce o nada e erguem construções intelectuais fabulosas, desde a escolástica católica ao judaísmo rabínico. Devo confessar que a arquitetura desses castelos me fascina, como me fascinam tanto a Notre Dame como a catedral de Toledo ou Sevilha. Mas isto não implica aceitar a fé dos homens que as erigiram.

A pergunta que você me faz sobre Agostinho, Mestre Eckhart, Chesterton, Leibniz, Kierkegaard, Jaspers, Pascal, René Girard, é a mesma que me fez um sacerdote lá pelos meus quinze anos, em Dom Pedrito. Eu tinha sérias dúvidas a respeito da existência de Deus e dos textos bíblicos. Como eu exercia certa liderança entre meus colegas de ginásio, o padre veio voando de Bagé para tentar recuperar o herege. Discutimos um dia todo. "Quem é você para discordar do que homens muito mais sábios já decidiram? O que o autoriza a pensar diferente?" O Torquemada gaúcho brandia o argumento da autoridade, um dos mais pérfidos instrumentos da Inquisição.

- O que me autoriza, padre - respondi - é a razão. O pensamento lógico. Lógica é lógica, não admite autoridade. Eu discordo desse pensamento anterior baseado exclusivamente em meu intelecto. E não fosse assim a humanidade não avançaria.

35 anos me parece ser ainda idade útil para enfrentar uma banca de doutorado. Ainda sobra tempo para exercer o magistério. O que me parece uma perversão da universidade brasileira são esses mestrados a partir dos 40, doutorados a partir dos 50, quando o professor já está chegando à idade de aposentar-se. Só servem para aumentar salário ou para pavonear-se com o título pendurado na parede. Ora, isso nada tem a ver com desejo de conhecimento. Quem quer conhecimento, estuda. Não precisa postular títulos. Para estudar, idade não tem limite.

“Sempre gostei de considerar minha posição, num laivo de orgulho, como uma reminiscência cultural dos tempos onde eram concedidos privilégios a quem via na busca pelo conhecimento verdadeiro o destino da sua existência”. Mes compliments, Felipe. Também penso assim. Não tenho respeito algum por homens que apenas detêm poder ou fortuna. Mas todo meu respeito ao homem que detém cultura.

Grande abraço!