¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, julho 03, 2009
 
SE VOCÊ NÃO CHOROU
PELOS COMORENSES, É
ÓBVIO QUE É RACISTA



Você não se comoveu com aquela tragédia no Índico? Com aquele avião iemenita que caiu no mar, matando 152 pessoas? Nem um pouquinho? Então você é racista. Pelo menos é o que se deduz das declarações de Jérémie Gandin, professor da Escola Superior de Jornalismo da França. Segundo o professor, não comover-se pode ser pode ser definido no mínimo como preconceito.

"Infelizmente, no imaginário dos franceses, um francês de origem comoriana parece ser menos francês do que um que nasceu em Paris. É triste. Como os passageiros eram todos negros, parece que a França e a mídia francesa se interessam menos por essas vítimas, sendo que, na verdade, eles são igualmente compatriotas".

Compatriotas em termos, professor. Em verdade, são imigrantes. Compatriota é uma coisa. Imigrante é outra. Podem até ter passaporte francês. Mas franceses não são. Nós nos comovemos por aqueles que nos são caros. Não nos comovemos com a morte de pessoas que desconhecemos e que não nos dizem nada. É óbvio que um desastre com uma empresa ocidental, transportando ocidentais, comove os ocidentais. As vítimas têm um rosto como o nosso, pertencem a nosso meio, vivem em nossa cultura. Em um vôo Rio-Paris estão pessoas que nos são familiares, quando não nossos familiares. Que familiaridade temos nós, ocidentais, com negros muçulmanos de ilhotas da costa africana?

Ao longo da terça-feira, dia do segundo acidente – diz a notícia – os telejornais não gastaram mais do que dez minutos para falar da catástrofe, mesmo que mais do que um terço das 152 vítimas fosse de nacionalidade francesa. Nos sites dos principais jornais, como o Le Monde ou o Libération, o acidente, por poucos instantes, ocupou os espaços de maior destaque, como a manchete. O interesse era nitidamente menor, se comparado ao vôo proveniente do Brasil.

É normal, professor. No vôo Rio-Paris poderíamos estar nós ou pessoas que a nós são queridas. Em um vôo para as Comores não voa ninguém que nos diga respeito. No dia anterior ao acidente, despedi-me de uma amiga que voaria para Paris naquela tarde. Pela Air France. Dia seguinte, ao acordar, leio sobre o desaparecimento do avião. Angustiado, telefonei para seu marido. Telefone sempre ocupado. Aconteceu, pensei.

Não, não havia acontecido. Ela partira de São Paulo. Quando vi que o avião desaparecido partira do Rio, fui tomado por uma extraordinária sensação de alívio. Alívio mas não muito. E se ela tivesse voado até o Rio para pegar aquele vôo? Só fiquei tranqüilo mesmo quando falei com seu marido. Seu telefone estava sempre ocupado porque muitas outras pessoas também queriam notícias dela.

Um acidente de trem em que morram cinco pessoas em Munique ou Paris obviamente nos comove muito mais que outro em que morrem 150 na Índia ou no Paquistão. Será a imprensa brasileira racista porque deu suplementos inteiros à queda do Airbus da Air France e escassas linhas ao desastre do avião da empresa iemenita? Ora, os comorenses mortos na tragédia não nos dizem nada. Quantas pessoas no Ocidente sabem da existência das Comores? Muitos só terão ouvido falar delas agora, com o acidente. Já seria diferente se o vôo se dirigisse às ilhas gregas ou Canárias. Ou mesmo às Seychelles. Para lá vão as pessoas que conhecemos.

Reclama o professor que a mídia francesa não falou de outro assunto, a queda do Airbus da Air France, durante diversos dias consecutivos. Que, tal como na imprensa brasileira, na França todas as abordagens relativas ao acidente - investigações, causas, localização de destroços e corpos, famílias de vítimas ou indenizações - recebiam atenção especial. O fato de este novo drama não envolver uma companhia aérea francesa e de o acidente ter ocorrido no último percurso de um trajeto com três escalas influencia a cobertura menos intensa. Resta saber o quanto pesa o fato de os 65 mortos serem humildes, de origem africana, e em sua maioria habitantes da periferia de Paris ou, principalmente, Marselha, que abriga a segunda maior comunidade imigrante e muçulmana do país.

Ora, não é o fato de serem pessoas humildes ou negras o que nos deixa indiferentes. É que eles não são “os nossos”. Da mesma forma, o acidente da Air France não terá provocado comoção alguma em Pequim, Karachi ou Riad. As centenas de imigrantes que morrem no Mediterrâneo fugindo da miséria africana me provocam uma vaga e teórica comiseração pela desgraça do Terceiro Mundo. Mas nada que invada minha mente por mais de alguns segundos. Não os conheço. Não sei quem são, nem como vivem, sofrem ou amam.

No entanto, lembro muito bem que chorei no dia 28 de janeiro de 1986. Estava em Salamanca quando a Challenger explodiu. Os nomes dos tripulantes nada me diziam. Mas a explosão mexeu fundo comigo. Eram sete bravos que tentavam o que ao macaco não é dado nem sonhar. Era minha raça – a humana – que se esforçava para ir bem mais além do sonho de Ícaro.

Mas quem, entre nós, vai se preocupar com a queda de um avião cheio de comorenses? O professor francês que me desculpe. Mas isso de amor universal é projeto utópico de cristãos. E digo utópico, porque cristão algum está preocupado com a morte de pessoas longínquas.

Só o que faltava insultar alguém como racista porque não chora com a queda de um avião cheio de imigrantes, muçulmanos e para nós desconhecidos.