¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 27, 2009
 
RUMO ÀS COCHONILHAS E
COCHINILLOS Y LECHALES



José Luis Rodríguez Zapatero, o premiê espanhol, está convidando hoje, em um vídeo publicitário de 18 segundos, que pode ser visto no jornal El País, "a todo el que pueda" que viaje a Lanzarote. Quando vi o vídeo, acabara de reservar hotel em Lanzarote.

Minha agente de turismo, que me presta serviços há uns bons vinte anos, nem sequer havia ouvido falar da ilha. Os brasileiros, fascinados pelas luzes das grandes capitais, costumam ignorar os pequenos pedaços de paraíso esparramados pelo planetinha. Lanzarote é uma das sete ilhas canárias e uma das mais fascinantes que conheço. Em minha modesta Weltanschauung, a única que compete com ela é Santorini, no mar Egeu. São ilhas vulcânicas, mas de belezas diferentes.

Santorini é praticamente um único vulcão que explodiu há aproximadamente 3.500 anos, erupção foi sentida em todo o mundo, mas com particular intensidade na bacia do Mediterrâneo. Segundo os estudiosos, a erupção estaria ligada ao colapso da civilização minóica, na ilha de Creta, situada 70 km ao sul.

É ilha fascinante, à qual se sobe em lombo de mulas. Estive lá nos anos 70, com a Baixinha mais uma boa amiga. Não havia lido nada sobre a ilha e nada sabia de sua geografia. Chegamos à noite. Do navio, vimos as luzes do porto que, como seria normal, estavam na linha do mar. Erguendo muito a cabeça, víamos as luzes da cidade. As moças, muito otimistas, achavam que teria táxis, um ônibus, quem sabe um elevador, para subir-se até a cidade. Eu, desconfiado. O barco nem tinha atracado e alguns gregos subiram no navio e ofereciam “mules, mules”. Baixinha, muito otimista, pensava em outra alternativa: “táxi, táxi”. Os gregos insistiam: “mules, mules”. Olhei para estibordo e vi turistas mais experientes fretando desesperamente ... mulas. Pedi três. Sem que elas tivessem idéia do que vinha pela frente, os gregos as pegaram pelo traseiro e as jogaram no lombo das bestas.

Para mim, que nasci em lombo de cavalo, nada mais natural. Elas, urbanas, jamais haviam montado qualquer quadrúpede. Um grego deu uma palavra de ordem e as mulas começaram a subir uma escadaria que parecia não ter fim. Minhas companheiras gritavam desesperadas: “pára esse bicho que eu quero descer”. Mas as mulas só entendiam grego. Subimos uma boa meia hora, à direita as rochas da montanha, à esquerda o abismo do Egeu, o navio ficando aos poucos reduzido a um pequeno ponto luminoso. No topo da montanha, o grego que nos conduzia deu uma ordem às mulas. Elas estacaram, as moças caíram ao chão. Permanecerem mudas de espanto, sentadas na borda da montanha, durante quase uma hora, olhando o abismo noturno lá embaixo.

Passado o susto, tudo foi festa. Santorini, como praticamente todas as ilhas gregas, é um porre de branco e azul. O branco do casario e o azul do Egeu. Ouso dizer que é a ilha mais deslumbrante do mundo.

Mas... também existe Lanzarote. Tem mais de 300 vulcões, consta que a metade em atividade. Não tem a altura abrupta de Santorini, nem o azul e branco do Egeu. Mas tem fascínios outros que nada ficam a dever à ilha grega. Sua paisagem é lunar e formou-se recentemente. No dia 1º de setembro de 1730, a terra se abriu e começou a jorrar rios de fogo e lava. As erupções se prolongaram por seis anos e a ilha teve um novo chilique em 1824, que surgiram mais três cones vulcânicos. Segundo um padre do povoado de Yaiza, “se abriu a terra perto de Timanfaya e uma enorme montanha se elevou do seio da terra esculpindo chamas durante 19 dias. Poucos dias depois, se abriu outro abismo esculpindo lava sobre os povoados de Timanfaya, Rodeo e Mancha Blanca”.

É para lá que eu vou, daqui a dois meses. Há filões de lava endurecida que rumam em direção ao mar, ora pela superfície, como se fosse um rio feito de pedra, ora por túneis subterrâneos. Esses túneis formam galerias e em uma delas os canarinos tiveram a genial idéia de montar um anfiteatro, onde são dados concertos, onde tive a ventura de ouvir Atahualpa Yupanqui. Em uma das montanhas de Timanfaya, o arquiteto César Manrique bolou um restaurante sobre um filão de lava viva. A lava corre dois quilômetros abaixo na terra e uma fissura na montanha leva seu calor até a superfície. Onde é assado o churrasco que o restaurante serve.

Tarde piou Zapatero. Já estou com hotel reservado. Vou comer carne assada no calor das lavas e andar em lombo de dromedários. Vou percorrer aquelas paisagens selenitas e degustar um Malvasia, o vinho da ilha. A produção do vinho em Lanzarote é a mais evidente prova de que sem vinho o homem não vive. O solo é vulcânico, por toda a parte, inviável para o cultivo da uva. Para cultivar uma vinha, primeiro é preciso plantar uma espécie de cactus, cuja raiz tem a propriedade de rachar a lava. Ao lado enterra-se a vinha e sua raiz segue a do cactus.

Há mais um problema. Em Lanzarote praticamente não chove. Espalha-se então em torno à vinha uma cinza vulcânica chamada picón, que absorve a umidade da noite. Há ainda um terceiro problema, os ventos da costa africana. Para proteger a vinha dos ventos, constrói-se um semicírculo de pedras, virado para a África. Cada semicírculo contém uma única vinha. E delas surge o Malvásia. O desenho desses vinhedos, visto do alto, é um dos mais belos espetáculos criados pelo homem, em sua sede de beber o sangue das uvas.

Last but not least, no cactus que conduz a raiz da vinha, cria-se uma espécie de pulga, a cochonilha, que produz um colorante de grande intensidade, usado na indústria alimentícia para realçar a cor dos vegetais, como o suco de tomate. É a cor de embutidos e de bebidas como campari, sorvetes e sobremesas. Serve também à produção de rouge e batom.

É para lá que vou, daqui a dois meses. Com a Primeira-Namorada, bem entendido. Nada melhor que uma ilha mágica para esquecer por alguns dias este país gerido por uma elite infame. Ilhas sempre são charmosas. Mas as capitais ainda mais. Antes de visitar as cochonilhas de Lanzarote, degustarei os cochinillos y corderos lechales de Madri, Toledo, Segovia e Barcelona.

Boa lembrança, a de Zapatero. Mas nada original. Pra variar, vou revisitar o país que mais adoro no mundo. Dedicarei também alguns dias a Tenerife, que mais não seja para fazer um aceno ao Teide maravilloso.

Salud, leitor! Mandarei notícias. Se puder.