¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, setembro 15, 2009
 
MINISTRA ARRISCA
CRIAR MÁRTIRES



Já falei da cientologia. É uma religião criada por um escritor de ficção científica. Lafayette Ron Hubbard (1911-1986), vendo que sua literatura estava rendendo pouco para seus parâmetros, decidiu investir em mercado mais lucrativo, o das angústias humanas. Há 75 milhões de anos, dezenas de planetas eram governados por um líder maligno, Xenu. Para sanar um problema de superpovoamento, Xenu teria segregado bilhões de seus habitantes na Terra. Eles foram mortos com bombas de hidrogênio, e seus espíritos - os thetans - passaram a vagar pelo planeta. Os thetans foram ainda submetidos a um processo que os tornou inaptos a tomar decisões. Cada habitante da Terra atual seria uma reencarnação desses espíritos.

Que tal? Parece história em quadrinhos. No entanto, são os fundamentos da nova crença, que está em franca expansão em países ricos, como os Estados Unidos e a Europa. Entre seus crentes e financiadores estão estrelas como Tom Cruise, John Travolta e Lisa Marie Presley. A religião foi criada nos anos 50 e já tem quase 10 milhões de fiéis. Tribunais da Alemanha, Áustria e Holanda definiram a cientologia como seita gananciosa, filosofia inescrupulosa, lavagem cerebral.

Leio no Estadão que a seita é suspeita de obrigar seus adeptos a comprar apostilhas, livros, vitaminas e equipamentos como o "electrômetro", que custa 5 mil euros (cerca de R$ 14 mil), apresentado como "um instrumento importante para os cursos". A seita está sendo julgada na França por estelionato e formação de quadrilha. Segundo o juiz que instruiu o processo, o "electrômetro" só visa "dar uma aparência científica aos testes". Já as vitaminas, diz o juiz, têm efeitos nocivos e teriam o objetivo de "deixar as pessoas em um estado de cansaço profundo, que levam a uma exclusão progressiva do círculo social".

Toda a religião é ficção, é claro. Hubbard adaptou a sua à chamada era espacial. Enquanto os teólogos católicos recém começam a admitir a vida em outras galáxias, Hubbard situa seu gênesis em um conglomerado de planetas. Terá tido influências de paladinos célebres das histórias em quadrinhos: Flash Gordon, Superman, capitão Marvel. Numa época em que até marmanjos lêem histórias em quadrinhos e críticos literários as levam a sério, sua religião tinha tudo para prosperar.

Michèle Alliot-Marie, ministra da Justiça na França, anunciou hoje no canal Europe 1 que depositará junto às Cortes uma medida que restabelecerá a possibilidade de dissolver as seitas por estelionato. Ontem ainda, a Milivudes (Missão Inter-ministerial de Luta contra os Desvios Sectários) afirmava que uma modificação da lei, ocorrida em 12 de maio passado, não permite mais a um magistrado de fazê-lo, o que suspenderia o risco de dissolução da Cientologia, perseguida por fraude em Paris.

A lei votada na França em maio passado suprime a pena de dissolução de uma pessoa moral por estelionato, o que só favorece a religião criada por Hubbard. "Quando passou a lei de simplificação e de abrandamento dos procedimentos, não nos damos conta que ao mesmo tempo ficava proibida de certa maneira que grupos tais como estas seitas pudessem ser dissolvidos - disse a ministra -. Vou apresentar por ocasião do próximo texto penal uma medida que permitirá dissolver principalmente os grupos ou seitas que pratiquem fraudes; será uma peça complementar como já foi antes".

Não me parece brilhante a idéia da ministra. Há uns vinte séculos, judeus e romanos tentaram dissolver uma seita de malucos, que falavam de um deus três-em-um, de uma mãe virgem, de um judeu que ressuscitou dos mortos e vigarices outras. Os judeus até conseguiram mandar o líder para a cruz, o que foi feito pelos ocupantes romanos da Galiléia. De nada adiantou. O império romano morreu e Israel permaneceu em pé, mas tornou-se minoritário diante da horda de fanáticos que aderiram à nova seita. A Igreja de Roma, durante séculos, mandou judeus para a fogueira e hoje impera, triunfante, no Ocidente. Dissolver seitas de pouco adianta. Nunca faltam malucos que adoram o martírio.

Já mandar estelionatários para a cadeia, não é apenas uma boa idéia, mas dever de todo Estado organizado. A França já pensa no assunto. No Brasil, ni pensar. Afinal os grandes vigaristas neopentecostais significam um alto percentual de votos, votos dos quais precisa o presidente da República. Longa vida a Edir Macedo, R. R. Soares, Silas Malafaia, bispa Sonia e apóstolo Hernandes.

Em todo caso, já é um passo pretender mandar para a cadeia estelionatários que se travestem de pastores. Claro que isto é utópico no Brasil, onde vigaristas religiosos dominam jornais e cadeias de televisão.

O fato é que não são apenas as novas seitas que fazem fortuna enganando pobres de espírito. Foi assim que a antiga seita venceu e se impôs ao Ocidente.